.presente
#85. estamos condenados ao presente infinito? todo mundo na correria, mas sem sair do lugar. como formar nossas memórias? revelado: para onde vai o money de assinaturas. livros & links.
condenada ao presente. assim terminei a news passada, .rio. era assim a frase: nada vai se construir se a gente seguir governando ou decidindo as coisas na base do espasmo e da reação. sempre sem projeto, sem ambição, sem intenção, sem sonho nem futuro. impressionante como a Internet nos condenou ao presente infinito. mas o que fazer?
esse foi daqueles momentos em que a escrita do inconsciente corre louca e feiticeira, que só percebi quando fui reler e news (amo reler quando chega no email, parece que foi outra pessoa que fez. rio de mim, why not, mas suba jovem, não tenha medo).
achei um absurdo essa sensação, mas como sempre vim dividir com vocês. olha que louco, a internet era pra ser o lugar do movimento, do frisson, dos fluxos de pensamentos e coisas rolando, se transformando, com o futuro a caminho, sempre muito dinâmico e tal. mas pra mim é totalmente o contrário. sinto tudo meio estagnado. o lugar comum diz que o tempo voa e tá todo mundo correndo, mas na prática a gente não evolui, não sai muito do lugar.
as discussões sempre retomando e cavando pontos anteriores
a sensação de looping nas redes sociais, com a timeline que sempre retorna aos mesmos pontos
a imagem do nosso cotidiano é de um empilhamento, repetição e acúmulo
os absurdos diários ainda estão por aí e nos obrigam a ancorar cada vez mais e mais
ao mesmo tempo, os posts coloridos motivacionais do insta nos convidam a aproveitar e viver o presente, ca-da-mo-men-to, prolongando algo que já sinto ser imeeeenso. o presente dilatou de um jeito na minha cabeça, que só o sinto como um tempo inchado e com coisas sobrepostas, meio paralisante.
será que estamos procurando no lugar errado as causas da nossa ansiedade? em vez de uma angústia com o futuro, pode ser uma aflição de não conseguir escapar do presente. tudo continua de uma forma opressora. com a internet, a gente acabou trazendo pra cá os outros tempos, o passado e o futuro. tudo reunido existindo agora, tipo o filme. sempre me vejo em meio a paradoxos - como em .disclaimers, entre o excesso de ressalvas e a comunicação violenta de cada dia, em uma conversa que recomeça todos os dias; ou entre a humanização das máquinas e desumanização das pessoas, como em .chat. e agora essa questão do eterno presente.
não me espanta (chocada, mas jamais chocada) que a gente se veja em meio a tantas realizações de futuros distópicos ou relatórios que eram pra ser de tendências acontecendo agora mesmo. coisas que antes eram projetadas como algo distante. chegamos ao futuro e agora ele virou presente, essa masmorra do presente distópico, onde tudo é acelerado e vai meio se repetindo, assumindo rumos previsíveis - afinal, a gente sente e sabe onde tudo isso vai dar (e tudo isso pode ser qualquer coisa, do aquecimento global à epidemia de burnout, passando pelo capitalismo destruindo ainda mais etc).
não é porque andamos pra frente que isso necessariamente representa avanço, muita marcha é retrocesso. antes o futuro era super atrelado a uma tecnologia em evolução, mas agora a tecnologia é simplesmente movida a lucro - disfarçando cada vez menos o sonho de significar avanços pra humanidade. então perdemos aí um motor.
a adesão cada vez mais automática ao novo, em vez de nos apontar um futuro, parece nos aprisionar num presente exaustivo e capitalista que se renova e oprime. a profecia da música de fim de ano, em que o futuro já começou meio que se realiza - mas não sei se a parte da festa é nossa vai rolar aqui no nosso humilde compartimento do titanic.
e uma vez que já vivemos no futuro,
a gente não imagina nem cria o que vem depois.
um dos fenômenos mais complexos dentro dessa permanência no presente ou nesse presente expandido eternamente é a perda da capacidade de criar memórias. acho que esse é um dos grandes sequestros do capitalismo. o volume de coisas sobrepostas no presente e a forma como o tempo se desorganizou tornam muito mais difícil a operação de natureza artesanal da memória, o esquecer e o lembrar que são tão humanos. e que exigem tempo. não por acaso tudo nos tira o tempo. parece proposital. joguei.
acho um privilégio me lembrar de coisas muito antigas da infância e de ter sido criança sem fio, criada solta e por seres que beiravam o surrealismo nas manhãs da tv, sullivan & massadas. vejo como a minha memória se consolidou e me gera um pertencimento, uma identidade - ainda que eternamente confusa, zizis me (dramática). e já me vejo perdendo essa capacidade, viu. sem lembrar onde almocei no início do mês, porque já não tenho nenhum distanciamento, é tudo uma coisa só, todo dia é o mesmo hoje - e esse é o ponto. parado no tempo, a gente não acumula experiências. algumas palavras só poderiam ser escritas e algumas experiências só podem ser vividas depois da memória selecionar o que vai e o que fica na lembrança.
quando perdemos as conexões da memória, delegando nossa vida e nossas lembranças às máquinas e rolos de câmera do celular, sinto que ficamos ainda mais ancorados num presente infinito. sem deixar nada pra trás e sem pensar pra frente.
me sinto vivendo infinitamente na prisão do hoje. todo dia é hoje.
durmo, acordo e segue sendo hoje. infernooo. o dia da marmota é real.
e o tempo é uma coisa tão bonita, né gente (voz de hebe). quando eu tava no rio, vi uma exposição linda sobre o cosmos no museu do amanhã. eram várias coisinhas interativas bem legais pra acessar informações, com explicações sobre a relatividade, as dobras, as teses sobre o começo de tudo, as mais diversas formas de vida. e a gente é tão minúsculo, navegando num universo repleto de tempo.
somos quem somos porque vivemos no tempo. o que irá acontecer se a gente perder de vez essa dimensão?
cursos & livros
uma coisa que talvez vocês não saibam, mas esse ano estou bem empenhada em fazer cursos aleatórios bem livres (aceito dicas). desde março tenho conseguido um por mês e uso los dinheiritos das carinhosas assinaturas da flowsmag pra isso - e também para comprar alguns livros, como o multifamoso Ioga que já está na fila.
acho que ainda não tinha comentado sobre como esse novo hábito tem me feito bem e me deixado mais inspirada pra escrever.
depois da .oficina literária de março, fiz em abril Uma breve história da ficção científica, curso online no Museu da Imagem e do Som de SP. agora em maio estou terminando Ensaios da crise: Orwell e Fitzgerald pós-1929, que é online também e realizado pelo literária (indicação da querida
)aliás, estou reencontrando fitzgerald, que era um autor muito presente nos meus tempos de faculdade e me trazia muitas reflexões sobre o que eu vivia, em um certo conflito de pertencer ou não a determinados mundos e classes.
uma frase ótima dele, do livro crack-up, e com a qual eu não poderia concordar mais:
o teste de uma inteligência superior é a capacidade de manter duas ideias opostas na mente ao mesmo tempo e ainda conservar a capacidade de funcionar. (…) deveríamos ser capazes de perceber que as coisas são irremediáveis e, ainda assim, estar determinados a transformá-las (p.72)
livros: o que é meu
foi muuuito legal o encontro online com josé henrique bortoluci, autor de o que é meu, proporcionado essa semana pela querida editora fósforo aos parceiros. uma horinha pra falar de livros: tudo pra mim.
comentei com o zé (íntima) que eu não leria o livro em situações comuns, porque fujo um pouco da temática familiar na literatura, mas tive uma grata surpresa com o romance. ele comentou que o livro nasceu um pouco maior e ele foi resumindo, até chegar em uma concisão que concentrou bastante as emoções. e a sensação é essa.
zé também comentou que escreveu entre janeiro e fevereiro de 2021, sem saber se o pai sairia bem da doença, então até pra ele o final era um mistério - e essa angústia é bem capturada na obra. as últimas três páginas só aconteceram ao final, com o desfecho (não contarei). olha que tudo. foi ótimo conhecer os bastidores da escrita e entender como a obra foi imaginada, começando de um jeito na expectativa e saindo de uma forma completamente diferente na realidade. é a beleza da escrita, que quando é verdadeira vai levando pelos caminhos mais inesperados.
nessa news fiz uma micro resenha de tudo é meu, que com certeza vai ficar entre os melhores do ano pra mim.
livros: inconsciente corporativo
um livro que comprei recentemente e devorei foi o inconsciente corporativo e outros contos, de vinícius portella. tem 9 histórias interessantes, que trazem uma presença sutil e apropriada do mundo digital em cada uma, sem catastrofismo e numa pegada cotidiana. partindo dos apps do dia a dia, ele evoca absurdos - coisa que amo e sentia falta na ficção atual, que tem se levado muito a sério em propósitos grandiosos. então é ótimo ler algo despretensioso de qualidade.
tem um conto em que uma pessoa assume outra identidade no tinder e a gente só vê a ladeira descendo e a confusão aumentando; tem outro ótimo envolvendo bitcoins e aquele ethos empreendedor que a gente detesta, com uma desgraça que também escala (devia ser uma seção nas livrarias, “desgraça que escala”); e o meu preferido é sobre um pesquisador de inteligência artificial que treina uma máquina para escrever como jorge luis borges. são ideias bem diversas, mas que se conectam pela tecnologia e pela ironia. foi meu companheirinho de viagem pro rio e adorei o mood.
links que tavam guardados aqui
o futuro tá em falta, com
o silêncio dos pássaros (aliás recebi o livro a inteligência dos pássaros da editora fósforo e já coloquei na frente de outras leiturassss)
E no ótimo podcast do
com , eles entregam um bate-papo mara sobre o mundo das newsletters com muitas dicas, tipo a news da e outras
sextooou
sempre loucamente
Como você joga essa indicação-bomba sobre pássaros assim? As lágrimas rolaram aqui instantaneamente ao ler os dois parágrafos sobre os pássaros que não cantam mais. Estava com a minha filha na sala e ela disse "nem lê em voz alta que nem quero saber, você tá vermelha!" Rsrsrs :/
Já quero muito ler esse livro de contos! Obrigada pela dica Lu