.desaparecer
#19. micaela coen. visibilidade e sucesso. não ter medo de desaparecer. viver dentro de pac-man. the voyeurs. babados da richthofen. nuvem rosa. angela merkel com pássaros.
passadah com o discurso da Michaela Coel no emmy, depois de ganhar um merecido prêmio por sua série I May Destroy You (e a outra série dela, chewing gum, também adorei). ela foi fundo, como sempre. um trecho:
“Escreva a história que assusta você. Isso faz você se sentir inseguro. Isso não é confortável. Atreva-se. Em um mundo que nos seduz a navegar pela vida de outras pessoas para nos ajudar a determinar melhor como nos sentimos sobre nós mesmos e, por sua vez, sentir a necessidade de estarmos constantemente visíveis - pois a visibilidade hoje em dia parece de alguma forma equivaler ao sucesso - não tenha medo de desaparecer dela, de nós por um tempo e ver o que vem para você no silêncio”
para quem quiser, tem o vídeo com esse momento maravilhoso. acorde nessa sexta de manhã com um barulho desse.
fui tocada com duas ideias:
primeiro essa síntese sensacional da ‘visibilidade que parece equivaler ao sucesso hoje em dia’ (eu nunca tinha pensado nesses termos)
e também com o ‘não ter medo de desaparecer’ e ver o que nos vem no silêncio
micaela foi nos meus pontos fracos #cirúrgica, são dois assuntos sobre os quais gosto muito de pensar: a visibilidade compulsória em que vivemos e o silêncio, o que ele tem a oferecer. uma das minhas primeiras news foi exatamente sobre silêncio e como ele pode ir além da falta de ruído, como um verdadeiro espaço-tempo em que coisas acontecem.
muitas perguntas e muitas respostas nascem no silêncio e só nele poderiam surgir. é um lugar que favorece ideias não-programadas, os pensamentos, as questões. o silêncio coloca muita coisa no lugar.
vivendo no pac-man
por isso que o atual sistema em que vivemos faz de tudo para corromper esse silêncio, nos distrair e nos jogar sempre no que parece ser um cenário de game, repleto de notificações e barulhinhos infantilizantes, plim, tadadá, blup. tipo a música comic strip do serge gainsbourg.
fico aflitíssima. infelizmente não posso ficar no modo avião, mas também não sou obrigada a viver no labirinto do pac-man com micro ruídos o tempo todo. notificações sim, mas barulhos podemos optar por não ter. a gente também precisa se ajudar.
desligar as notificações é uma pequena forma de desaparecer, mesmo que por uns minutos. quem dera todos tivéssemos esse direito.
nem o silêncio nem o invisível servem ao sistema e perdem lugar especialmente na sociedade da transparência. nela, tudo precisa ser mostrado para ser mais facilmente controlado - dados, né, gente. tudo sobre nós é capturado, acumulado, vendido à nossa revelia para nos re-submeter a uma versão simplificada de nós mesmos. o invisível não tem valor de mercado.
o sentido dos sentidos
principalmente se a gente pensa no quanto é duradouro o primado do olhar. antes de invenções como a imprensa, o espelho, a fotografia, o cinema e a tv, nem sempre o olhar era o sentido dos sentidos. há pelo menos 500 anos a visão passou a ser o mais importante - ver para crer se tornou uma base de prova e conhecimento, julgam-se as pessoas pela aparência, o desejo de parecer move trilhões em várias indústrias, as redes sociais são especialmente baseadas no que se vê. fechar os olhos e desaparecer vai contra todo esse poder acumulado por um único sentido. tanto que muitos grupos lutam, com muita razão, pela visibilidade. só assim para fazer parte do mundo.
a sensação de que a visibilidade parece equivaler ao sucesso, como disse micaela coen, é reveladora do nosso tempo. é bem isso. essa economia de influenciadores que passam o dia inteiro transmitindo recebidinhos, a ida à nutri, a casa redecorada, do café ao jantar recebidos também, ganhando mais do que todos os assinantes dessa newsletter fazendo um stories entre o quarto e o banheiro dando oi meninas #publi. estar online o tempo todo é sucesso? é felicidade? bom, pode ser.
mas pra mim, de vez em quando, desaparecer seria a plenitude. será que um dia poderemos ser remunerados pelo nosso sumiço? joguei.
the voyeurs
falando no sentido da visão, achei divertido (porém com momentos tensos e nem sempre sutis) o filme the voyeurs (prime video). não posso contar nada sem dar spoiler, impossível uma resenha, mas trata de um casal jovem em montreal que se muda pra um apê com janelão e eles começam a observar outro casal que também mora um apê com janelão. mais um dia comum em santa cecília.
tem várias metáforas ligadas ao universo óptico, como presença de óticas, exames de vista, mundo da fotografia, máscaras, binóculos, muito vidro na arquitetura e coisas do tipo. nisso eu achei o filme bem intencionado, esse trabalho mínimo de buscar referências para criar esse cenário, ainda que em algum ponto fiquem meio óbvias. rola até mesmo uma presença de pássaros para homenagear hitchcock que, por sua vez, fez o filme dos filmes sobre observar vizinhos, o janela indiscreta.
the voyeurs começa bem soft porn (risos), o que também acaba por ser uma referência inteligente - isso eu tirei da minha cabeça, não sei se o diretor pensou -, já que a pornografia é um gênero que exige um observador, ela é construída em cima do close, da visão, do que é explícito. e nessa medida a pornografia se diferencia do erotismo, que não exige necessariamente a visão para se realizar.
mas assim, tem alguns momentos bem toscos, então não vai achando que é uma obra prima. faz aquela pipoca barata. não diga que não avisei.
eu observo meus vizinhos que usam luzes coloridas, espero que ninguém descubra e que ninguém me observe também.
fernanda torres nesse PUPURRI de momentos maravilhosos pra você fazer o skincare do riso valendo pro fim de semana
claudia raia em um momento delicioso para mais um skincare à base de ácido hilariônico. acendi meu cigarro imaginário
outro filme que vi esses dias foi a nuvem rosa (telecine), em um momento de prestígio do cinema nacional (aceito dicas). passou esse ano em sundance e ficou conhecido por ter antecipado em pelo menos 2 anos a pandemia. achei bom, ainda que o casal protagonista seja meio hipster - depois vai passando e a história fica legal.
a história: uma névoa tóxica rosa surge de repente e em dez segundos mata quem for exposto a ela - e permanece pairando no céu. para escapar do perigo, as pessoas simplesmente ficaram onde estavam quando tudo aconteceu. na melhor das hipóteses em casa, mas muita gente passou a morar no supermercado, na casa da amiga da escola etc, já que foi totalmente repentino e sem previsão de acabar. imagina o pesadelo. na covid a gente ao menos teve chance de voltar.
aí tudo se concentra em um casal confinado num apartamento (mais um filme do gênero tiny places terror que amo, que são filmes dentro de um espaço limitado: da mesma safra de festim diabólico, oxygen, the father, deus da carnificina e todos os que passam em foguetes). o apê não era tiny, era super confortável aliás, mas é um confinamento. interessante como algumas questões de fato parecem antecipadas e são muito reais pra gente, como questões de relacionamento, casos de depressão, o auge do delivery, trabalho remoto, video-chamadas, fase da yoga, crianças que nunca viram o lado de fora do apartamento nem outras pessoas, novos modelos de sexualidade e mais.
também assisti aos filmes sobre o caso richthofen, como boa fã de true crime que sou (aliás nosso linha direta é muito precursor, poderiam reprisar em algum lugar): o menino que matou meus pais e a menina que matou os pais, no prime video. mas assim, fiquei meio decepcionada em como o roteiro ficou convencional e sem charme, ainda mais com ilana casoy e raphael montes envolvidos. e as atuações complicadíssimas, pra dizer o mínimo, e o povo polemizando qual filme ver depois. o que mais poderia ter dado certo foi o lance de ser duas versões, as mesmas cenas refilmadas. mas não rolou, ficou desinteressante e estereotipado.
minha dica então é procurar o material complementar riquíssimo na série investigação criminal (prime video) cujo episódio 3 da primeira temporada desdobra o caso. tem um monte de foto chocante do exame dos corpos, preciso antecipar e desviei o olhar em todas, mas tem a análise da cena do crime, as pontas soltas que jogaram os assassinos pra dentro da cena, momentos CSI “a cena do crime fala” e detalhes sórdidos que poderiam muito estar no filme.
por exemplo: no dia seguinte ao crime, suzane estava com daniel tomando banho na piscina da casa (tipo um dia normal, imagina) - sendo que após o assassinato a barra de ferro usada no crime foi lavada na piscina. assim, gente, que nojooo. e a polícia descreve a frieza dela, em como ela parecia uma guia de museu dentro da casa falando: ‘por aqui, ali adiante é a cena do crime’, meio teatral.
e tem pepitas que só o twitter nos traz. o segredo é buscar materiais de apoio:
a chinela virada chamando a morte ahahaha tudo pra mim
sextou com Angela overreacting com pássaros. quem nunca prendeu a respiração diante de um vento de pombo que atire a primeira pedra
edições de flowsmag mais lidas ;)
Esse discurso da Michaela, não tinha visto, mas eu adorei!
É deveras angustiante depender da internet pra divulgar meus trabalhos. Mas, já faz um tempo que desabilitei as notificações e tem sido bem interessante, sentindo a barrinha de vida voltar a ficar verdinha de novo. Inclusive coloquei na agenda que tenho que checar o e-mail a cada dois dias, se não, esqueço.
Dia desses me peguei fazendo planos futuros com amigos LGBTQ+ de que ainda iremos montar uma vila rural, nos alimentando daquilo que a terra dá, um midsommar "gls" kkkkkk ai não, que horror.
Enfim, mais uma newsletter maravilhosa! <3
E ah, um filme brasileiro que assisti dia desses foi Amor, Plástico E Barulho, tem na globoplay, retrata o universo da música brega brasileira, acho que é de 2015.