.impostores
#14. síndrome de impostora. pelo fim do lugar. um livro jamais revelado. pungente, urgente, visceral. bolhas pretensiosas. modelos com ciática. links variados. wellness horror. humildade relativa.
a prova de que venci parte da síndrome de impostora foi essa newsletter. pode parecer bobagem essa news ser algum tipo de ápice (não é um ápice), mas é complexo você passar a submeter semanal e voluntariamente seus pensamentos loucos (ninguém disse que eu deveria me expor, mas foi se tornando algo natural hahaha) a pessoas desconhecidas em sua maioria.
poderia ser um fracasso total. poderia cair no ridículo. eu poderia descobrir que não sei escrever. poderia ser confrontada e acusada de algo. um variado cardápio de sabotagens colocado a nossa frente pelo nosso impostor interior. danadinho. o talento para pensar na desgraça como primeira opção parece nato. por aqui não foi diferente.
contudo, feliz ou infelizmente, muitas pessoas não padecem de excesso de autocrítica. antigamente eles é que eram chamados de fato de impostores.
louco, né, como virou e a linguagem nos jogou pra esse lugar - e impostor passa agora a ser quem duvida de si em alguma medida. sendo que duvidar de si parece uma coisa autêntica, sincera, uma autoproteção às vezes. o contrário da farsa do impostor. bug.
antes de continuar, falemos sobre a palavra LUGAR
esta news é pelo fim da palavra LUGAR
tudo agora é LUGAR
virou aquele complemento que você usa pra tornar algo relevante
você fala LUGAR e a pessoa já acha que é conteúdo
‘aquele texto me levou pra um LUGAR que’
tá chatíssimo
mas retomando. eis que quem deveria sofrer de síndrome do impostor, que são os reais impostores, não se enxergam como tal. bom pra eles, porque a gente que não é impostor tá lutando aqui com nossa autocrítica sendo injustamente acusado. tava aqui parada e ganhei de brinde uma síndrome e um cupom do ifood. que palavra péssima, síndrome. medicalizando comportamentos e emoções.
chegamos então àquelas pessoas que são os verdadeiros impostores, que ganham notoriedade não pela qualidade do que produzem mas por geralmente terem partido de um lugar de privilégio, saberem se promover e contarem com uma agenda de contatos influente (nomes abreviados em uma sílaba + sobrenome estrangeiro). se você é impostor e tem uma bolha ótima, tá tudo certo e você tá protegido. pode errar à vontade que ninguém saberá a verdade. muito pelo contrário.
pungente, urgente e visceral
bom exemplo foi uma conversa com dois amigos essa semana sobre um livro que está bombando nas redes sociais, nas listas de lidos e recebidinhos, a autora entrevistada em todos os podcasts e youtubes literários possíveis, você olha embaixo da cama e alá a autora aparece, nesse nível, mudou a vida das pessoas tudo. um livro famoso cujo nome vocês jamais saberão, podem depositar pix que eu não digo, porque desde o case situação de barril não dou conta de ser cancelada e não será agora que vou dar esse vacilo.
esse livro então apareceu com um desconto ótimo e corri pra comprar, afinal todo o brasil estava recomendando essa leitura pungente, urgente e visceral. larguei todo o meu roteiro prévio de livros (olha ela) para encaixar esse. ávida - e sempre trêmula.
quando umas 2h depois termino o livro, meu povo, que coisa mais mediana. socorro. a criatura conseguiu pegar o que poderia ser impactante e criar um grande white lotus people’s problem vazio, tipo filhas do gugu, com detalhes tão pretensiosos. ficou tão pequeno, tão o emocional da classe média. você até esquece das partes que poderiam ser legais. queria minhas 2h ou meu dinheiro de volta.
e posso falar, não foi o primeiro livro com o qual passei essa raiva (ou frustração) recentemente.
é tudo hype
longe de mim julgar a autora, tampouco se alguém genuinamente curtiu esse livro que você nem sabe qual é. tá tudo certo gostar, ler ou não. leitura precisa ser estimulada mesmo. a questão central é o hype e a aura, sempre ela, que coloca algo trivial como se fosse um marco do antropoceno. já falei bastante disso por aqui, sempre volto à aura - preciso repensar se é amor ou obsessão.
normalmente já não tenho expectativa alta com nada, sempre exaustah, mas foi meio inevitável querer confirmar na minha leitura o que tanta gente comentava. como assim tocou as pessoas e só eu não? queria me emocionar também, coloquei a culpa no signo (aquário) e no final sirvo um café ao meu impostor interno pra ele me contar o que tenho de errado.
era tipo a roupa nova do imperador, só os inteligentes veriam a roupa invisível (essa história me marcou a infância). no caso não tinha roupa pra ver.
era truque.
riquíssimo esse conto pra falar sobre impostor, indústria da moda, fake news, procurem.
ego trip coletiva ou metaverso vip
então fui parar na conversa entre amigos de confiança - cuja identidade também está mantida em sigilo assim como o livro, a opção hoje é criar um clima de mistério - sobre o quanto atualmente (ou sempre foi assim e só agora vejo a luz) muitos conseguem ser impostores em público, com toda uma rede sustentando a farsa do hype. desde que, sempre lembrando, você tenha autoconfiança construída desde a infância montessoriana, cep no centro expandido de sp e contatos para divulgar e incensar sua pretensa obra prima, retroalimentando os aplausos entre amigos. uma ego trip coletiva. um metaverso vip 💎
produzindo unanimidade
às vezes a pessoa nem sabe que é impostora, dependendo da espessura da bolha. e além dessa bolha que viabiliza a produção do impostor, precisa ter também a bolha do lado da divulgação, a garantir que todas as rodinhas especializadas o tratem como unanimidade e revelação do ano. e assim a gente vê uma pá de livro médio custando 7 reais a página (faço essa conta, pra quê mentir) enaltecido por todos os clubes de leitura. fica impossível discordar sem ser desqualificada pela fanbase.
no momento tô lendo um livro imenso, mais de 500 páginas (tem 400 páginas a mais do que deveria). tô arrependida mas cheguei nos 70% dele, aí é tarde demais. fico pensando WHY e em seguida ‘eu não teria autoestima pra escrever 500 páginas, roubar assim o tempo das pessoas’.
(como se essa news fosse pequena né ahahahaha abafa, ctrl z em tudo acima 👀)
amo hilda (joguei cortina de fumaça)
eleja um tema inquestionável
então é um pouco isso. de repente todo mundo ao mesmo tempo recomenda algo e o classifica como pungente, urgente e visceral? desconfie. às vezes é, mas acho sempre estranho quando a unanimidade e a intensidade das críticas positivas são grandes assim. e se o tema da coisa também for pungente, urgente e visceral, vão pensar duas vezes antes de criticar o livro ou o filme, afinal impossível e politicamente incorreto ter ressalvas quanto a um assunto difícil. pelo contrário, não importa se é bom, vão te chamar de corajosa, vão falar que a obra LEVOU PRA UM LUGAR QUE, vão elogiar por quebrar um tabu no macbook e jamais irão assumir que não era tudo isso.
elogia-se tudo ao redor do livro,
mas sem aparentemente ter lido o próprio.
a divulgação vai muito além do que a obra contém e do que ela entrega.
falei de livros, mas claro que não se restringe a eles. toda semana é um monte de curso, propagandas, indignações, exclusivos netflix, pequenos produtores, roupas e obras de arte que aparecem. toda semana como uma nova roupa do imperador.
uma pena que nesse bolo do hype deve ter coisa boa. tenho um ranço antecipado, mas gosto de ser surpreendida quando é bom. às vezes acontece.
e por outro lado tem tanto livro do pequeno produtor escritor do qual o povo nem escuta falar, mas que você encontra sem querer e pensa: porrannn, gostoso demais. enfim, queria deixar apenas essa provocação.
claro, fiquei brincando com síndrome de impostora mas a gente sabe que isso precisa ser rediscutido. a sensação de dúvida e de que somos uma fraude não é apenas um problema individual (como sempre querem fazer parecer, sempre nossa responsabilidade, nossa ‘vontade’ de ficar ou sair disso, a despesa com terapia sendo nossa também). é uma conversa que precisaria ir além de ser sobre corresponder ou não a expectativas interna e alheia.
afinal rola uma dimensão social e cultural importante que precisa considerar fatores limitantes especialmente para as mulheres, como sexismo, racismo, classe, maternidade e uma infinidade de coisas.
amo as modelos com ciática
siempre cansadas
siempre performando
mimetizadas e conceituales
🔸links
as marcas da pandemia no nosso corpo: é como se a gente tivesse envelhecido uma década em pouco mais de um ano. o skincare fracassou.
exceto o lula, né, com seu quadríceps sensual. amo a matéria ‘quer ter as pernas do lula?’ com dicas de personal e o que tudo isso virou. reconstrução da imagem segue funcionando.
como a volta ao convívio social gera medo do julgamento pelo olhar do outro.
podcasts de alimentação com elaine de azevedo sempre ótimos. esse não foge à regra e tem muita reflexão boa. com giovanna nader.
o otimismo trágico é o oposto da positividade tóxica (em inglês).
gloria prefere não comentar e sai do zap porque também não é obrigada:
🔸vendo
nove desconhecidos (prime video). ainda no episódio 3, curiosa pelo que virá, mas já recalculando a expectativa diante de uns elementos repetitivos e a vibe déjà vu de white lotus (nem me impactou tanto essa série, mas falei bastante dela hoje. sei que a música gruda). nicole kidman é masha, guru espiritual cover da gwyneth paltrow, dona e proprietária da tranquillum, retiro de bem-estar para ricos na califórnia. o sotaque russo de nicole vem quando você menos espera hahaha mas enfim. nove pessoas chegam lá em busca de transformações, curas de traumas, significados para a vida etc, mas sugere um clima enigmático de que a jornada não vai ser fácil pra ninguém. esse gênero de wellness horror (do qual white lotus faz parte) me interessa, com uma crítica à linguagem manipulava do detox, dos superalimentos (a primeira cena de nove desconhecidos é um smoothie, muita pitaya em todos os episódios ahahaha), do controle das emoções - e como as pessoas facilmente entram na espiritualidade tóxica.
the chair (netflix). sandra oh atuando é sempre um charme (saudades killing eve). nessa série de comédia, com episódios de meia hora, ela interpreta uma recém-nomeada chefe do departamento de literatura na pembroke university. vão surgindo desafios por ser a primeira mulher a ocupar essa posição e também porque a faculdade atrai cada vez menos alunos, então a pressão financeira é grande. no geral achando fraquinha (vi só dois), ok como entretenimento sem expectativas, e medo da sandra se apaixonar pelo professor que tem uma esquerdomacho energy forte.
esperando que a humildade relativa em sp melhore, porque tá difícil. quando entraram CINZAS de árvores incendiadas na minha janela, pensei: ACABOU. 🔥
Podemos ter uma dica sobre o livro oculto? hahahah
Tipo forca, letras jogadas...
Mulher, obrigada por este texto! Sempre me sinto um pouco culpada quando não gosto/não vejo a disruptividade de obras que estão no hype, fico me achando um pouco burra ou ressentida ou os dois. Hahahaha. Tô tentando evitar consumir essas obras no calor das indicações, porque 95% das vezes sinto que a galera é muito emocionada e no momento, sem tempo irmão. Da última vez que cedi foi com Torto Arado, achei um livro bom, mas passados 6 meses da leitura, restou pouca coisa dele em mim e aí me pergunto quanto vai sobrar do "clássico instantâneo" que a mídia especializada criou (talvez sobre muito, talvez seja canonizado e eu aqui sendo burra e ressentida só porque não me marcou tanto). Enfim.