.silêncio
#02. fingir que estou numa chácara. sobre desconteúdo. ridículo estar na segunda newsletter e já falar sobre silêncio. fotos e coisas legais para assistir - ou não
as pessoas recorrem ao silêncio quando se sentem tristes
eu não. aliás o silêncio pra mim é puro REGOJIJO, como diria nosso gil do vigor.
mas foi essa frase simples-complexa que me fisgou no livro silêncio na era do ruído, de erling kagge (ed. objetiva). kagge é um explorador norueguês, foi uma das primeiras (ou a primeira) pessoas a alcançar o polo norte, o polo sul e o topo do everest. nessas viagens, mais que o óbvio desafio físico, ele destaca que o silêncio comum a todas essas experiências é algo que se impõe. e eu adoro quando alguém destaca um aspecto aparentemente menos nobre dessa vivência e reflete genuinamente sobre ele. é subverter a ordem linkedINica do mundo.
achei bonito o jeito com que kagge fala do silêncio: é como um sentimento, um conceito, uma experiência pessoal, algo que pode ser reconfortante. muito mais que uma medida ou uma escala numérica (também me ganha fácil aquele que não reduz o mundo a números e power points).
o silêncio ao seu redor pode conter muitas coisas, mas para mim o silêncio mais interessante é aquele que trago dentro de mim
amo. porque é preciso mais coragem do que se imagina para fazer silêncio, estar em silêncio, enfrentar o silêncio. até anitta foi cancelada por seu silêncio ensurdecedor.
pois bem. depois de falar um pouco de suas longas andanças, kagge vai narrando em capítulos curtos aspectos variados do silêncio. me chamou muito a atenção quando ele comentou do desespero humano diante do silencio. tão grande que tem gente que prefere levar um choque. cara, enfim, não vou julgar mas é puxado. em estudos nas universidades de virginia e harvard, a maioria dos participantes não conseguiam passar de 6 a 15 minutos em uma sala sem música-livro-celular. numa fase seguinte, a pesquisa colocou choques na jogada. assim: os participantes sentiam o choque antes, para terem condições de escolher entre ele e o silêncio. aí adivinha: vários preferiram O CHOQUE. um deles ficou tão desesperado que apertou o botão do choque CENTO E NOVENTA VEZES. mano. do. céu.
enfim, vou tentar não julgar novamente MAS.
gostei da suavidade e da simplicidade do livro, de ler sobre o silêncio. é para quem procura algo ameno pra dar uma olhadinha antes de dormir. curti também a constatação que ele traz (e que aprendi depois de alguns burnouts, essa maldita doença de uma sociedade que sofre de positividade excessiva): o mundo e as pessoas não vão parar de girar pra cuidar da gente e para nos dar um pouco de silêncio. nós mesmos precisamos (tá coach demais isso aqui) criar o nosso próprio mercad.. nosso próprio silêncio.
o nosso espaço-tempo para fazer nossas coisas.
especialmente porque estamos em uma economia da atenção, olhar para dentro sem gerar dados e não viver ou consumir através de outras pessoas pode ser transformador. o silêncio é revolucionário porque nos permite organizar o nosso pensamento e sermos livres sem bater meta - é tudo, TUDO o que as redes sociais e o capitalismo não querem que a gente faça. então vamos fazer hahaha. para eles, quanto mais atordoados, acumulados e monitorados por algoritmos, melhor.
no site da companhia das letras tem uns trechos do livro e o link para comprar se quiser.
escandinavo é outra coisa, né. por lá tem um canal de slow tv em que passam coisas super longas e relaxantes, como uma viagem de trem que dura 7 horas. como é bom fazer seu próprio horário, não é mesmo.
engraçado que, enquanto escrevia aqui, vi um outro livro chamado o silêncio, de don delillo, que acaba de sair. é uma história em que cinco pessoas se veem bruscamente sem conexão com a internet ou celular. ‘sem telas acesas para marcar o caminho, vagam como assombrações, alheias ao tempo e ao espaço’, diz a resenha boa da quatro cinco um.
em tempos de olhos cansados, parece um alento a distopia de um mundo sem telas.
morar em sp ou na maioria das cidades grandes faz pensar bastante sobre silêncio.
defino morar aqui no centro de são paulo como um lugar onde sempre há gritos avulsos na madrugada. você não sabe se é diversão ou perrengue que a pessoa tá vivendo. aqui na frente às vezes:
aparece um tio com um rádio alto passando em horários aleatórios
tinha também um senhor que tocava PANDEIRO sempre por volta de 8h da manhã (nunca os barulhos são em horário comercial, regra de ouro).
também teve uma fase longa de um ano ou mais com obras muitas obras. muitas. era a pavimentação rumo ao inferno, eles abriam a rua, fechavam, abriam de novo, muita poeira, barulho e eu vendo o nosso dinheiro público se esvair
temos cachorros lutando entre si umas 9h todo dia
ultimamente (há uns 5 meses), aqui passou a ter muito mas muito pássaro. te juro. acho chic, de repente alguém no teams do trabalho escute e ache que moro numa chácara.
gravei aqui na minha janela:
auge, né.
vi esses dias esse post, que tem a ver com a conversa do silêncio. porque fala principalmente sobre o ‘excesso de conteúdos que não são - efetivamente - conteúdos’. vivemos nesse programa infinito dos acumuladores, basicamente. só que no caso o lixo é outro. da mesma forma que nos acumuladores, a pessoa acha que não pode viver sem aquele tweet, sem rolar todos os stories, sem aquele papel molhado.
é um grande vazio muito mal disfarçado de produtividade (inclusive adoro o episódio do podcast ‘daria um livro’, do bookster, em que o christian bunker manda: aquelas pessoas felizes demaaaais, ativas demaaaais, super energizadas e produtivas na verdade não são felizes, mas maníacas. faz sentido em alguns aspectos).
enfim, as redes incentivam essa lógica perversa que esvazia o conteúdo da nossa timeline, zuck faz a dilma e dobra a meta para que todos produzam cada vez mais se quiserem ter seus conteúdos distribuídos por ele. e daí proliferam as enquetes mais inúteis do mundo (gosta de café da manhã? sim-não; vou ou fico? sim-não), tudo é uma grande votação (nada contra voto, inclusive apoio democracia, urna eletrônica e tal).
enfim. meio cansada de ver pessoas que não param de dançar, dublar e fazer truques de frente pra tela. se pensar direitinho, a gente vai ver o buraco em que já estamos metidos.
de vazio em vazio, vamos arrastando essa corrente pesadíssima que se tornou a timeline. até que ponto a gente vai permitir que algoritmos continuem a ser o principal método de validação dos conteúdos, regendo nossas relações, nossas informações e passando a ser a grande busca das pessoas?
a wired inclusive fez uma boa matéria (em inglês) sobre como algoritmos acabaram com a criatividade nas mídias sociais. e provoca: que tal voltarmos para a curadoria feita por humanos? cada vez mais as utopias convidam a um singelo retorno, é o que tem pra hoje.
vendo
cpi da pandemia, claro: aliás temos o programa adnet na cpi no globoplay como material de apoio porque tudo é um grande deboche mesmo
o caso evandro (globoplay tb): genteeeeeee, eu fico mais ou menos 50 minutos com a respiração suspensa em cada episódio, dada a imensa quantidade de reviravoltas, além de ser o puro suco do brasil. excelente trabalho de pesquisa do jornalista ivan mizanzuk, que já tinha narrado o caso no primoroso podcast projeto humanos
entre os programas que mais odeio ultimamente estão o que maravilha: chato pra comer no gnt, com adultos que não comem verdura catando salsinha no prato e dando trabalho pro claude troisgros. meu deus, que raiva dessas pessoas. também do gnt tem o que seja doce, batalha de confeiteiros cuja transição entre cada cena tem alguém soprando farinha de trigo como se fosse divertido. o quilo da farinha de trigo tá beirando 10 reais, logo eu acho cafona jogar comida e confeitos pro alto em tempos atuais
vi
oxygen (netflix): ficção científica francesa (já é um motivo em si para assistir). amo filmes que se passam em um espaço restrito, tipo um foguete, um apartamento (‘festim diabólico’ do hitchcock é excelente) ou, neste caso, uma câmara criogênica. a melanie laurent acorda nesse pesadelo, nesse caixão high-tech toda conectada na cápsula. e o pior, com oxigênio contadinho (fica a ironia terrível com os tempos atuais). ela precisa sair logo de lá. o filme é ela sozinha e mantém uma tensão bem interessante. fiquei pensando que criogenia não é pra mim, sabe
coded bias (netflix): doc ótimo em que uma pesquisadora negra do MIT descobre que o rosto dela é indetectável pela ‘inteligência’ artificial que ela própria criou e ela precisa colocar uma máscara branca se quiser o reconhecimento facial. não poderia ser mais erradooo. ela então empreende uma investigação complexa e maravilhosa mostrando que 1. algoritmos não são neutros, 2. muitas decisões sobre empregos, empréstimos e até prisões são tomadas apenas a partir dele (e adivinhe quem são os prejudicados) e 3. não é apenas a china que está vigiando e classificando a população de forma absolutamente totalitária. tem democracia que faz igual ou pior.
e o que foi a final de mare of easttownnnnnnnn (hbo) meus amores: quero muito kate winslet novamente em uma segunda temporada se possível
mrs america (hulu): com cate blachett, sarah paulson e várias outras maravilhosas. achei legal, mas às vezes senti que requer certo repertório sobre a segunda onda do feminismo norte-americano para entender melhor a história. ou, no mínimo, desperta interesse para ir atrás de quem foram betty friedan, gloria steinem e a cena dos anos 70. cate é a protagonista, como a ativista conservadora phyllis schlafly (nome que demoramos uns episódios para conseguir memorizar e pronunciar hehehe), uma dona de casa que enfrenta as feministas. ela é contrária aos direitos iguais entre mulheres e homens, então é uma opção narrativa interessante falar dessa história do ponto de vista conservador. a série acompanha os embates e - o melhor - as contradições dos dois lados.
fora que a abertura de mrs. america é a mais cool dos últimos tempos, amei
terminando a newsletter do silêncio com esse barulho.
e como nem tudo é silêncio nessa sexta com feriadinho energy, podemos começar o dia com a playlist músicas para relaxar e esquecer o governo bolsonaro, que tal. tem gil, milton, caetano, gal, chico & mais
reflexões
brigaaaadamm a quem chegou até aqui e até a próxima semanammmm
& se quiser trocar uma ideia, me dizer coisas agradáveis ou sugerir algo, me manda email ;)
curioso que hoje li um texto do antônio xerxenesky sobre o jon fosse (ganhador do nobel) e ele comenta meio que a dinâmica dos países escandinavos/nórdicos (é tudo a mesma coisa?): a dinâmica de realmente oferecer uma qualidade de vida tão absurda que as pessoas se dão ao luxo de serem escritoras, poetas, pesquisadoras, de forma tão plena que a preocupação com grana faz com que eles possam se dedicar a reflexões humanísticas de forma plena. daí li esse cara falando do silêncio e de se ouvir e não duvido que seja um exercício maravilhoso e imprescindível, porém o recorte geográfico é importante. moro em porto alegre e me identifico muito com os barulhos citados e acho que os que mais me agonizam são pessoas de madrugada gritando coisas do tipo "eu vou te matar" e tu não sabe até onde aquilo pode ir.
enfim, reflexões! amo o que você escreve!
(ironicamente coloquei uma musiquinha para ler o texto, eu levaria o choque cem vezes!)