.constrangimento
#55. noção vale mais que barras de ouro. pupurrís, onde estão? energia do truque e do capitalismo afetivo. psicóloga antiliberal. yellowjackets, julia e pacto brutal. sete newsletters maraaa.
não sei vocês, mas muitas coisas do mundo me dão constrangimento. tipo uma vergonha alheia, uma sensação danada de que o departamento do bom senso foi demitido e que noção vale mais que barras de ouro. pouco importam doutorados, viagens, workshops caros de comportamento, vivências abraçando árvores, experiências transcendentais no centro de convenções e posts iluminados no linkedin a pessoa tenha feito - se te falta noção, te falta tudo. tudo (estou girando, como sempre). minha vida é difícil por isso, acho. porque vivo esse mal estar alheio, é inevitável.
vocês viram que há umas duas semanas teve esse mega constrangimento musical no encontro da patrícia poeta? (eu achava encontro com fatima mega católico, judge me)
eis que o pessoal da produção do encontro achou que poderia ser OK fazer um sambinha com desgraças rimando, why not, um PUPURRÍ1 (por onde andam os pupurrís, sempre tinha nos discos dos 1990’s) de tragédias numa semana horrorosa repleta dos piores crimes e violências. pra deixar tudo mais leve. leve pra quem? leve por quê? a mania do povo deixar leve e esse excesso de humor podem ser detestáveis às vezes. pois muitas coisas exigem desconforto mesmo, têm que ser mal digeridas. chamamos de life, isso.
sempre que vejo erros dessa ordem faço a pergunta: ‘mas quem aprova?’
afinal alguns erros resultam de pactos e cadeias de pessoas. alguém criou, outro desenvolveu, então criou a música, uma quarta pessoa catou as imagens, teve mais uma pessoa para aprovar e outra aperta o play. nesse circuito de uns dez aspirantes a ser humano ninguém disse nada? tipo levantar a mão e opa pessoal, vamos pensar se a palminha do homem assassinado no aniversário acompanhando o sambinha pode soar mal. porque sim, soou muito errado e altamente ofensivo tudo aquilo. eu como sempre sofro em dobro, de vergonha.
sei que há um universo paralelo onde não há constrangimento, onde publicitários se aplaudem each other. onde marcas de móveis acham ação social vender por 1800 reais cadeiras retiradas de um estádio de futebol que era pra ser tombado, em vez de ter sido abandonado para ser vendido mais barato. sei que existe esse lugar envidraçado onde as ideias mais estapafúrdias ganham vida (.blefe).
eu, no entanto, ainda prefiro viver no mundo onde algumas coisas despertam vergonha ou pelo menos acendem uma luzinha de alerta do mal estar. uma sensibilidade micro que seja.
sabe outra coisa que me constrange? saber que para 23% dos homens é normal que o chefe espere por sexo com uma funcionária. aham. foi um dos dados que o think eva apurou nesta pesquisa. fiquei muito perplexa imaginando o constrangimento de ouvir os 23% de pessoas dando essa resposta. pois sim, claro, é normal que o chefe espere por sexo. oi.
me constrangem a branquitude e a energia do truque nesses lugares do capitalismo afetivo de são paulo. as coisas andam caríssimas, então escolho muito onde vou tomar meu gin tônica, porque não quero mais nenhum aborrecimento adicional na minha vida difícil. daí aprendi a farejar a 85km de distância os lugares onde
a comida é pouca e cara, servida normalmente em prato de ágata ou alumínio
todos rodopiam bem veganos vestindo tecidos crus,
com muitas brasilidades tocando,
todos os boletos pagos sem esforço
e algum sotaque forçado. de repente todo mundo quer ser do norte ou nordeste.
acho isso ótimo, inclusive adoro reparações históricas sempre que possível - mas a gente sabe quando é truque. no mínimo constrangedor entrar e ficar nesse tipo de fraude coletiva.
mas sinto que o que me sobra de constrangimento me falta de esperteza, todo dia tenho a sensação de que perco milhões pelo bom senso que me transborda.
semana que vem tem edição extra jardim #2 com quilos de links e diquinhas & edição plus qled 4k para assinantes.
imagina tudo isso na sua caixinha e uma flows feliz, corada. então é só chegar chegando e me SUPORTAR (amo suportar kkk)
adorando o perfil dessa psicóloga maravilhosa, detectando o neoliberalismo em pequenas frases e comportamentos.
três séries
yellowjackets (paramount)
protagonizada por mulheres sensacionais e com um clima lost. o avião do time de futebol feminino (com um ou outro homem) cai numa floresta e elas precisam sobreviver. a história traz duas linhas do tempo - os anos 1990, no período do acidente; e atualmente, focando em quatro sobreviventes. sabe-se que aconteceu algo mega misterioso no passado que é retomado no presente. simplesmente amo as atuações de juliette lewis e christina ricci, além de melanie lynskey estar perfeita.
julia (hbo max)
delicinha demais essa série que conta o início do primeiro programa de culinária na tv, the french chef, apresentado por julia child (encantadora). tem vários momentos super irreverentes, um viés de sororidade feminina que é bem-vindo, muito constrangimento com os machismos e excelentes momentos que mostram como foram as invenções e adaptações para filmar preparações no ar. fora que adoro ver gente cozinhando. adoro.
pacto brutal (hbo max)
por muitos e muitos anos a imagem da daniella perez e a música wishing on a star me causavam um mal estar, uma perturbação grande. acho que foi o primeiro contato com a violência de que tenho memória, ter visto as revistas e todos os programas repetidamente com aquelas fotos, o caso, o pânico satânico e toda aquela exploração da imagem. eu morava na época no rio e fiquei seriamente impactada quando criança. a série traz um ponto de vista humanizado da atriz e da gloria perez. e pra mim acerta especialmente em não escutar ‘o outro lado’, porque sinceramente, ele não existe. chama muita atenção o alvoroço (.tochas) das pessoas e, claro, aquela investigação policial de baixa qualidade que não falta no true crime nacional.
o que me constrange é não ter mais tempo de ler mais newsletters maravilhosas. mas amo e preciso compartilhar algumas das mais PIPITAS DE ORO que olhei esses dias. guardem com carinho essa playlist de news:
carta aberta à branquitude (hino de mateus habib na news prato feito)
a nova newsletter radinho, de natália silva, que indica podcasts grandes, para quem tem muita louça, ou curtos, para quem tem pouca louça amo
a news vou te falar sobre ficção, vida e intenção, da queridíssima carolina ruhman sandler, é um dos textos que mais me encantou ultimamente, real
morri de rir com essa edição da refrescos, de paula gomes e mya pacioni. trechito: “quando acabava o filme, a professora queria que a gente comentasse. eu tinha ficado tão absorta na tarefa de fazer silêncio e mirar a televisão com um olhar neutro que se tivesse passado na tela uma baleia atravessando uma poça de água com um sapatinho diferente em cada lado da cauda eu não teria notado”. (gente vou usar olhar-neutro forever, é isso)
pirei forte nessa edição da segredos em órbita, maravilhosa news de vanessa guedes que não perco. o título 32km percorridos com o dedo é a distância arrastada no dia a dia na tela do celular. simplesmente amei
a bits to brands é uma das que mais acompanho e a beatriz guarezi arrasa muito na análise sobre o fim do instagram. aliás, o livro que ela indica eu comprei imediatamente
e essa edição da conchas, da mariana lopes vieira? é candidata a uma das grandes edições PIPITA DE ORO de 2022, com a história fabulosa de formigas que invadiram o kindle dela. PARAA
sextou em busca de hidratação (ressecadíssima em sp) e coisas simples
Luci, obrigada pela indicação! Ameeeei saber. Vi agora que tinha ido comentar assim que li, mas não tinha ido. Amei a edição!
A minha descrição de olhar neutro é "fazer cara de nuvem".
Gosto muito: dos temas que vc aborda, do teu texto, do teu tom. Identificação total.