.comida
#08. comer e viajar. por quê comecei a cozinhar. madonna comendo macarrão. minhas humildes especialidades. breadcoach. receitas de pão. links, filmes e séries sobre comida.
não aprendi a cozinhar com ninguém da família. basicamente por falta de interesse meu, que sempre fui mais do ramo da leitura e escrita. não que uma coisa exclua a outra, mas tudo tem seu tempo. não era falta de repertório, via ofélia, note e anote, até aquele programa de receita pra crianças na cultura, ensinando a fazer pizza de cream cracker. adorava mas nem cogitava fazer as coisas.
se eu fosse pro masterchef, teria que inventar um passado diferente dos outros 230520754 participantes, que fazem a paola carosella revirar os olhos ouvindo novamente alguém chorando ao lembrar que aprendeu a ferver água com a avó/nonna. legal, mas o povo entra num chichê que esvazia tudo.
talvez uma das histórias que eu poderia contar é que a primeira receita que fiz na vida deve ter sido o pão de alho da linda mccartney, que vi numa revista sobre beatles quando eu tinha uns 13 ou 14 anos. imaginei que paul mccartney, vegetariano, adorava aquele pão e isso me entusiasmou. era basicamente misturar alho ralado e manteiga e passar nos sulcos de um pão francês, mas foi minha primeira minivitória.
enfim, problemas de saúde (estresse, sempre ele), começar a frequentar academia, ter vivido um tempo fora e ter vindo para são paulo morar sozinha, além de ter ótimos amigos super interessados em ótimas receitas foram, sem dúvida, fatores que foram levando meu interesse pela culinária às alturas ; )
frança
entre 2013 e 2014 morei na frança e, por incrível que pareça, pouco aprendi a preparar na prática. me alimentava basicamente de comida congelada do picard, que era bem boa, e muitos MAS MUITOS pães, folhados e doces que eram um abraço amanteigado nos dias de ansiedade. claro, a experiência ajudou bastante a estender meu universo de sabores, até então bem restrito (criada à base de leite com nescau). era uma forte candidata a ter o paladar infantil desafiado naquele programa de adultos chatos pra comer. 😬
frequentava demais os restaurantes de quilo asiáticos, que eram baratos e uma chance de comer arroz (não sou fã, mas quando se está longe e sozinha um arroz quentinho vira ouro). até os refeitórios da faculdade, que davam queijo de sobremesa e tinham muitos vegetais, serviram para educar o paladar. e, claro, havia restaurantes baratinhos com menus fechados de 10 euros que serviam muita comida tradicional que eu nunca tinha provado até então, como a famosa sopa de cebola. até de escargot passei a gostar. descobri também que nosso escondidinho tem a versão francesa, o parmentier.
as pequenas viagens ao redor passaram a ter uma graça maior quando fui descobrindo as comidas. as tapas espanholas, os biscoitos holandeses, o goulash checo, os sanduíches defumados da dinamarca, as pataniscas de bacalhau e os travesseiros de sintra em portugal, as comidas de rua de bruges, edimburgo e londres. todo um roteiro sensorial e sentimental guardo ainda hoje e morro de saudade. descobri que tenho uma memória excelente para comida, a ponto de lembrar de tudo associado àquela refeição, da rua ao nome do lugar, o dia específico, até algum detalhe do prato. bem psicopata.
fitness (risos)
quando voltei, foi inevitável encarar pela primeira vez a academia (isso faz 8 anos, passa rápido) depois de levar bronca de um médico e começar a considerar coisas saudáveis depois de comer feliz e solta tudo o que podia e não podia - afinal, quantas vezes na vida a gente mora fora? foi deus no comando, depois resolveria, pensei inconsequente.
eu era péssima e impaciente. tipo aumentava o fogo achando que ia cozinhar mais rápido. temperos: sal e orégano. usava aquela pasta de alho horrível do supermercado. um dia fui fazer um suco verde, assim como minhas novas colegas, e não sabia a proporção. usei umas 6 folhas de couve pra um copo, quase quebrei o liquidificador e não coei. achava que eram fibras e o sofrimento que tanto falavam. finalmente me senti parte de algo ahahaha.
bastaram três leggings no armário pra eu entrar numas de chamar carne de proteína, algo que hoje acho cringe (mas o nome correto é nutricionismo = nutrição + reducionismo, quando se despreza a complexidade dos alimentos para se apegar a apenas um macro nutriente). uma fase que não posso renegar, pois precisava para melhorar a saúde, que tava super combalida depois de meses de excessos. foi importante aprender a cozinhar para aprender a comer melhor. conhecer ingredientes, entender como funcionam, o que pode combinar. é bem o sentido da coisa.
hoje meu suco verde é palatável, venci.
são paulo
e daí veio a mudança para são paulo. é aquele clichê (verdadeiro) de que você pode encontrar todo tipo de comida, de todos os lugares do mundo, às 3 da manhã (acho sempre questionável ser uma ‘vantagem’ destacar toda uma cadeia de trabalhadores precarizados mobilizados para fazer seu sushi nesse horário, mas cada um sabe até onde vai o karma do que come).
a questão é que a vida de merda de morar cercado de prédios, fumaça e varandas com bandeiras do brasil precisaria ter um benefício que fosse - e, pra mim, a oportunidade de encontrar um monte de culinárias é uma das coisas legais (as top 3 vantagens de morar em sp são: restaurantes, museus e fretes baratos). pra quem se alimentava basicamente de biscoito passatempo até os 27 anos, é um feito saber hoje o que é um bibimbap 🍲, comer uma esfiha de bastermá e escolher um mezze, ir no restaurante grego e se abraçar numa moussaka, conhecer ali um congolês que abriu, escolher se hoje vamos no colombiano ou na liberdade, entre tantas outras coisas ótimas.
além de aprender a cozinhar para comer melhor, passei a elevar a experiência para criar momentos. cada comida de viagem, cada tarde cozinhando com os amigos (saudaaaades) ou um pastel na feira da rua vão deixando marcas na memória e nos formando. acho lindo.
minhas humildes especialidades
depois dessa jornada, hoje posso falar que tenho coordenação motora e algum repertório. sei fazer cuscuz peitinho para honrar os 30 anos vividos no ceará e consigo cortar uma abóbora sem morrer. tenho habilidades como calcular o peso da farinha no olhar.
passo horas no insta @pastagrannies vendo as vós centenárias (algumas temperamentais, amo) modelando massas frescas. arte:
passei a fazer empanadas incluindo os repulgues que formam as bordinhas, pão há uns 5 ou 6 anos e, claro, as focaccias ao estilo do sul da itália (é um país com uma culinária tão divina que tem muitos tipos de focaccias, um mapa de focaccias, enfim, um sonho). atualmente elas são minha paixãozinha, sempre digo que se um dia tudo der errado monto uma focacceria que abra em nichos, tipo ‘de quinta a sábado, das 14h às 16h30’. tirem as crianças da sala, olha uma recente que linda.
foi importante especialmente ter aprendido a fazer pão, surgido há mais de 10 mil anos antes de cristo segundo essa linha do tempo de comidas. ele tem toda uma aura de desafio porque de fato tem muita coisa que pode dar errado em processos muito simples. além de exigir utensílios quando vamos avançando no nosso grau de exigência, mas nada super necessário a ponto de inviabilizar.
no geral, dá super pra fazer ótimos pães com o que se tem em casa, no forno comum, sem panela, sem frescura. acho que os grandes empecilhos a que as pessoas se apegam é que são alguns passos e tem um tempo próprio. se você quiser um pão de fermentação natural no café da manhã de domingo, precisa começar a preparar na sexta, é isso.
o levain não vai te priorizar. você não é especial.
boa parte do trampo é do fermento e ocorre na geladeira, não é que você fica sofrendo e sovando por 12h, temperando seu pão com sangue, suor e lágrimas, mas sempre assusta esse planejamento. a nestlé passou décadas ensinando que para comer basta abrir uma lata, é difícil desprogramar.
além do BIOCOACH que criei na news sobre plantas, poderia super vender um workshop de BREADCOACH (inventei agora) ensinando resiliência e autoconfiança tendo como base o preparo de um pão, transformando os participantes em líderes mesmo que tenham apenas 23 anos. o mindfulness e a superação de frustrações, entre outras questões, até já fazem parte de terapias com culinária que já existem por aí. tudo é narrativa.
receitas de pão atendendo a pedidos
para quem quer comer um pãozinho bom ainda hoje, dá. segura minha mão. pães com fermento biológico seco (de pacotinho, que vende ali perto das essências e dos outros fermentos de bolo) são mega dignos e faço sempre. o biológico é um atalho e deixa algumas preparações bem saborosas, como focaccias, brioches, pães de batata e babkas.
então, nada de ficar criando hierarquias entre fermentos, todos têm seu valor. povo se apega no levain e acaba não fazendo nenhum pão. ele não é indispensável. não coloque no levain a culpa pela procrastinação #breadcoach
essa receita de pão sem sova não tem erro e foi o primeiro pão que fiz na vida. ❤️
e tem esse pão da paola, que é também simples e rápido:
vamos desmistificar a aura de que pão é uma coisa super elaborada. alguns são mais demoradinhos, mas não precisa ser sempre assim.
é preciso se divertir com o processo pra não comer uma comida triste.
falando em comida triste, é necessário refletir o quanto a comida move o planeta.
a escolha do que cultivar, onde e como cultivar, os impactos nas comunidades, nos trabalhadores e na natureza que todo o processo vai gerar. as conexões entre empresas, governos, médicos, farmacêuticas. as indústrias das dietas, suplementos e alimentos da moda. recomendações baseadas muitas vezes em estudos patrocinados por associações de produtores e empresas que vendem carne, milho, açúcar. enfim, muita coisa envolvida. pergunte-se sempre de onde vem e para onde vai o dinheiro daquele alimento.
comida é sempre política e coletiva. escolhas têm consequências não apenas individuais, mas econômicas, ambientais e de saúde pública, que vão reverberar no planeta. não significa cortar drasticamente todos os ultraprocessados (seria o ideal, mas na prática sabemos que é difícil ser um cristal perfeito). mas tentar consumi-los com consciência e de forma pontual, sem transformar o bono morango na base da alimentação já seria um caminho.
(newsletter construtiva essa)
vi
a série ‘as origens do sabor’ é uma pepita de ouro (netflix). episódios curtos falando de processos antigos e complexos chineses, defumações, fermentações, a extração de sabor de ingredientes improváveis. é um mundo. para quem gosta do tema, tem o livro fermentação à brasileira
a série midnight diner: tokyo stories (netflix) é a pura zona de conforto. não foca em receitas, mas nas conversas intimistas e histórias que se passam no balcão do restaurante que abre meia noite
sal, gordura, ácido, calor (netflix). série deliciosa com a carismática samin nosrat, que passeia por diferentes sabores em várias partes do mundo. viagem e comida é A combinação
o filme julie e julia (globoplay) é sempre uma delícia de ver. com meryl streep fazendo a julia child, que popularizou a culinária francesa nos estados unidos e foi precursora de receitas na tv nos anos 60. e amy adams é julie powell, que nos dias atuais segue as receitas da julia e leva uma vida frustrada
terminei recentemente a série high on the hog (netflix), sobre como a culinária afro-americana transformou os eua. algumas histórias são velhas conhecidas nossas, como o aproveitamento de sobras em receitas como rabada e feijoada. vale conhecer a historia dos chefs negros de george washington e thomas jefferson, queria até saber mais deles
links
na high on the hog aparece jerrelle guy, que tem um instagram com fotos lindas
já recomendei o podcast jornal do veneno, com informação boa e descontraída sobre alimentação. mas hoje indico este episódio, com uma parte dedicada aos riscos de tomar muito chá. passada, ficava o dia bebendo e achando que por ser natural era ok
kitchen witches ou bruxonas do tiktok que resgatam o misticismo na culinária combinado a uma onda de bem estar
vale assinar a deliciosa newsletter da lena mattar sobre comida, com fotos lindas e texto levinho
como imigrantes japoneses recriaram pratos típicos na amazônia:
reflexões
Lu, adorei a news comida. Eu não sei fazer pão, sempre acho que quem faz pão deve ser um pouco mais sábio do que eu. Acho que precisaria de um breadcoach. O episódio "gordura" daquela série da Samin Nosrat é uma das coisas mais incríveis que já vi. Achei meio mágico como ela constrói toda a importância da gordura na alimentação. Um beijo!