.sinceridade
#89. sociedade viciada em feedbacks. sinceridade versus autenticidade. a cultura do narcisismo - e cupom de desconto para este livro ótimo. 7 links sinceros com série, newsletters e maisss
tenho ficado mais inconsequente e perigosa no quesito sinceridade. e isso tem me feito muito bem. mas não banalizo a sinceridade e sinto que meu limite é basicamente a gentileza. quantas vezes a pessoa me perguntou ‘se eu já tinha visto’ algo e eu disse que ‘não’ (mesmo tendo visto), pra não perder a conversa e deixar que a pessoa diga. porque quando você fala ‘já’, repara, a pessoa fica desapontada e o papo murcha na hora. quero regar as pessoas e deixá-las florescer organicamente.
o que eu já sei me importa menos do que aquilo que a pessoa pode me dizer.
mas nosso momento é complexo. a sociedade está viciada em feedbacks - e não necessariamente em sinceridade. é mais a dopamina de fazer um relatório e mostrar na reunião com o chefe. acho uma perda de tempo absurda, porque o sistema e as pessoas se alimentam de meias-verdades, do vou-dizer-o-que-querem-ouvir. semana passada estava marcando uns exames, e os lugares sempre manda um whatsapp com link pra preencher mais dados. é um fucking disparo automático básico. aí eles querem saber o que eu achei. oi. não tenho nada a dizer sobre uma mensagem automática (girando). ninguém quer saber honestamente o que eu achei daquilo. qualquer coisa tem que ter feedback e nota. me recuso a contribuir para a evolução do serviço de uma inteligência artificial. eles que extraiam dos meus algoritmos e leiam aqui pra saber o que eu penso.
também venho detestando entrevistas ultimamente. e olha que é um dos gêneros que mais gostava no jornalismo, real. mas perdemos a menina-entrevista para o imperativo moral e midiático de responder sempre o-que-deve-ser-respondido. tipo ‘qual sua rotina matinal’ e a pessoa vai pintar um quadro onírico de positividade tóxica que inclui horários ideais, skincare, leituras, hábitos, alimentos e atividades perfeitas de bem-estar, entregando o-que-se-quer-ouvir e jamais a verdade.
ninguém na tv vai falar que fuma dois cigarros na cama e odeia o mundo quando acorda. curto documentários musicais, e os brasileiros sempre trazem aqueles programas de entrevistas dos anos 1970 com artistas em close extremo e uma intimidade absurda, as pessoas se abriam de fato. essa honestidade (que leva a uma vulnerabilidade) e essa crueza da falta de treino para a mídia que existia naquela época somem, em favor de pessoas super preparadas para serem banais. por isso amei todas as reações sinceras no programa da bela gil ou esse momento épico da maria zilda. bons tempos.
há uma confusão entre sinceridade e autenticidade. todo mundo quer parecer super autêntico por causa das redes sociais. inclusive, esse imperativo da autenticidade tem levado a uma competição constrangedora de quem é mais autêntico. uma coisa que escala. o alecrim dourado acha que só ele tem aquela rotina ideal, aí você desliza a tela e encontra 12 mil rotinas ideais idênticas - e nem tem passarinho o suficiente pra cantar pela manhã pra essa gente toda. mais fácil fingir ou copiar do que aprender, errar e construir algo seu.
mais fácil não expor o que se pensa, pra evitar consequências.
às vezes o estímulo à autenticidade me parece uma espécie de controle social. o sistema incentiva esse excesso de identidade depositado na autenticidade para que a real sinceridade seja sublimada e o mundo não imploda de vez. o que sustenta o fio de ordem nesse mundo é a hipocrisia, entre outros pactos. imagine se a gente fosse 100% honestys consigo e com os outros. o mundo não aguentaria 12 horas lidando com verdades. “porque você rouba? / porque eu gosto”. “você me acha feia? / acho”. imagine all the people dizendo o que pensa, real. tava todo mundo preso e/ou sozinho.
livro sincero e visionário
sempre fico perturbada quando deparo com algo visionário. acho que por isso algumas distopias me impactam, além do próprio conteúdo distópico em si. a antecipação de décadas é incrível. e este livro, a cultura do narcisismo : a vida americana em uma era de de expectativas decrescentes, do historiador christopher lasch, é uma grande pipita.
imagina que em 1979 ele publica esse estudo que parte do conceito de narcisismo para primeiro ajustar o real significado da palavra - frequentemente deturpado - e toca diversos fenômenos contemporâneos (naquela época e hoje). não sei como, mas parece que ele está entre nós, narrando com uma desconcertante atualidade o que vivemos e sentimos agora, sem ter conhecido redes sociais.
ele traz uma crítica à cultura capitalista, passando por temas como individualismo excessivo, superficialidade, a falta de separação entre vida pública/privada que destrói a subjetividade, o teatro das aparências nos ambientes corporativos e a autoajuda. o narcisista é assolado pela ansiedade e pela busca de gratificações imediatas em tudo, alguém que “exalta a cooperação e o trabalho em equipe ao passo que abriga impulsos profundamente antissociais”. amo.
a sociedade, ele aponta, estimula o narcisismo de cada um ao destruir todos os vínculos que temos com o mundo, desde a noção do tempo até as instituições e a espiritualidade. tudo para garantir indivíduos desamparados, surpreendidos o tempo todo pelos acontecimentos, sem nenhuma base para sentir, ser e pensar.
“não tendo a esperança de melhorar suas vidas de modo significativo, as pessoas se convenceram de que o importante é o autoaprimoramento psíquico: conectar-se com os próprios sentimentos, comer comida saudável, participar de aulas de balé ou dança do ventre, banhar-se de sabedoria oriental, correr, aprender a ‘estabelecer laços’, superar seu ‘medo do prazer’. Embora inofensivos por si só, esses propósitos, se convertidos em programa e embebidos da retórica da autenticidade e consciência, implicam o abandono da política e o repúdio ao passado recente”. é eita atrás de eita.
“apesar do sofrimento interior que causam, muitos traços narcísicos ajudam os narcisistas a alcançar o sucesso em instituições burocráticas, nas quais a manipulação das relações interpessoais garante recompensas, os laços profundos são desencorajados e, ao mesmo tempo, o narcisista recebe toda a aprovação de que precisa para validar sua autoestima”. e nos ambientes corporativos ele afirma que “‘crescimento’ tornou-se eufemismo para ‘sobrevivência’”. perfeito. tá, parei.
o livro tem pontos problemáticos aqui e ali, como qualquer obra. há uma discreta visão conservadora de que a família ou o passado estariam nessa base perdida da sociedade, entre outras opiniões que tornaram a obra querida e odiada tanto pela direita como pela esquerda. estou adorando/lamentando descobrir que nossos problemas atuais já habitam o mundo faz décadas.
uma das conclusões é que nosso tempo não inventou tudo. muitas vezes as gerações atuais acham que tudo foi criado essa semana por elas e que o ápice do mundo é agora. não é. vemos o tempo todo os jovens descobrindo coisas inventadas há cem anos tipo a câmera cybershot.
vale muito a leitura e temos o cuponzinho de desconto FLOWS20, que vale até 26 de julho de 2023, pra quem já quiser comprar no site da fósforo com 20% de desconto oee.
links kiridos e 100% sinceros
a série os outros (globoplay) tem me entretido bastante. é tipo succession, uma vez que não gostamos de praticamente nenhum personagem ahaha, acho que só o pet da síndica escapa. os episódios 5 a 7 não são brilhaaaantes, mas não comprometem o todo e acho que hoje lançam o final. o clima lembra o amado filme argentino relatos selvagens, em que uma violência desencadeia uma série de outras, escalando o ódio em um condomínio carioca. elenco maravilhoso.
tenho adorado o quadro psicanálise selvagem no insta de andré alves
minha amiga
começou uma newsletter, e essa edição me fez chorar porque traz o luto pela gatinha dela. perdi há quase 7 meses o meu yg e ainda hoje nunca consegui rever fotos dele nem escrever nada sobre, tamanha a dor incurável que sintoamei essa news do
sobre o peso de mentir para si. sobre a escrita, ele diz: “(…) as pessoas acham que têm um problema de técnica, mas na verdade, o problema é apenas de falta de sinceridade”- hablou tudo na newsletter sobre a falácia da revitalização
adênia rainha da sinceridade
100% de acordo com caio braz sobre jovens ricos preguiçosos
sextooou
Nhoooo, obrigada pela citação. ♥️ Vamos aquecer os corações mutuamente
É muita pseudo sinceridade solicitada por aí, a pergunta vem com a resposta pronta - me sinto preenchendo aqueles cadernos de perguntas das meninas adolescentes dos anos 80, que todo mundo respondia mais ou menos a mesma coisa pra tudo. A gente acaba até perdendo o critério do que falar, como e quando. Também acho que o limite é a educação e a boa convivência, se todo mundo saísse falando tudo o que pensa humanidade duraria mais nada. Bjs
Eu juro que eu li “e nem tem passarinho o suficiente pra cantar pela manhã pra essa gente DOIDA” hahahaha adorei o texto!