.inteligência
#82. meu filme de terror seria com criaturas literais. plot twitt. inteligência artificial é inteligência? abstração é um luxo. gal mais uma vez. friday black: curti essa trip. e sextou.
…e o PLOT TWITT da semana é não poder mais fazer a curadoria de links do twitter, tudo ruindo, sem verificados, mas se for pra acabar com el*n a gente tá junto. foguete não tem ré, mas explode.
nessas conversas sobre inteligência artificial, a gente se liga mais na parte do artificial do que na discussão sobre inteligência - e de como esse conceito está em transformação. não sou inteligente o bastante para discutir o que é inteligência atualmente, mas imagino que tenha menos a ver com habilidades funcionais ou operacionais demais, nem seja algo mensurável (tipo aquele lance antigo e meio racista de Q.I. ou genética).
de repente inteligência pode se aproximar mais de capacidades ampliadas. habilidades mais ligadas a comportamento social ou desenvolvimento emocional. ou discernimento crítico & bom senso (why not), assim como alguma capacidade criativa para imaginar. e quem sabe inteligência teria a ver com conexões maiores com outros seres.
e humor. humor é um traço de inteligência que me parece bem importante, porque revela capacidade de abstração e revela a abertura que é necessária pra entender uma mera piada. pra mim, 💎 abstração é um luxo 💎 e uma das coisas mais fundamentais que o ser humano pode possuir.
mas quando falamos das “inteligências” “artificiais” generativas, colocando cachos de aspas-nanicas ao lado dessas palavras, fico na dúvida sobre qual inteligência estamos falando. chat gpt, por exemplo: acumula textos, compila vários deles de modo a fazer sentido, resume coisas, responde seu bom dia, escreve uma poesia e consegue até ser irônico, assim como a siri e outros assistentes. nada de mais, vamos ser sinceros, a ponto de merecer o selo mudou-minha-vida-forever por enquanto. nada do que a gente já não consiga fazer (claro, considerando o volume de dados que ele consegue manipular. mas volume não é tudo nessa vida).
já os lances de imagens com inteligência artificial eu conheço menos, porque nunca testei - sou zero imaginação pra criar figuras, parei de desenhar provavelmente quando aprendi a escrever. essas parecem um pouco mais interessantes, no sentido de permitirem a criação de coisas mais nonsense e abstratas. acho um ganho, uma inteligência capaz de trabalhar o absurdo de forma criativa ou algo que apenas recrie o oasis (gente, morro de vergonha de gostar de oasis mas c’est la vie, sei que são super tóxicos).
enfim, meu problema é até que ponto essas tecnologias redefinem o conceito de inteligência, hoje mais voltada ao acúmulo do que como algo mais ambicioso, mais amplo. inteligências funcionais demais, pra mim, são menos inteligentes.
porque pra mim o perigo do mundo está em nos tornarmos criaturas literais.
pode reparar como em vários vídeos, twitts (rip) e outras falas: as pessoas precisam fazer mil disclaimers explicando tudo para se prevenir de críticas e ódios, que viraram o a priori das coisas. “acho isso, mas não quero ofender quem não acha” é o grande discurso do nosso tempo. isso interdita vários tipos de conversa, atendendo a exigência de mil ressalvas e explicações para absolutamente tudo 🥱.
evidentemente isso é uma reação à incapacidade crescente das audiências de abstraírem e carpirem elas próprias o terreno onde se dão alguns debates. era pra todo mundo saber de antemão que é impossível contemplar todos os pontos de vista mundiais em um podcast e apenas curtir o conteúdo e a vibe. mas não, de repente todo mundo se propõe a ficar ofendido ou a buscar incoerências e falhas em tudo, inviabilizando cada vez mais as trocas e conversas. na ansiedade de rebater, o povo nem escuta o que está sendo dito e já produz uma resposta bem definitiva. o ruído de comunicação é mais ensurdecedor que o silêncio da anitta.
e assim, nessa estrutura de bolhas e monólogos, vamos descendo a ladeira e perdendo a inteligência, que é algo construído exatamente nas relações e exige abertura, erros e acertos para se desenvolver. chegamos ao ponto de que o chat gpt é mais permeável ao conhecimento do que muito ser humano, vai longe esse menino. a gente prefere conversar com ele, dar bom dia pro chat do que pro vizinho (sp tem esse fenômeno, do 1. vácuo pós-bom dia, além de 2. das pessoas que não desviam da gente na rua e 3. o uso de coturno em altas temperaturas).
cá pra nós, estamos num momento “toda ação gera uma reação”, reagindo ao excesso de informação com… o cultivo da ignorância de modo geral. tá puxado.
muita gente parece mais preocupada em ensinar as máquinas do que aprender coisas.
fora que precisamos nos enxergar também como uma tecnologia, assim como as plantas, os polvos e os cogumelos contêm altas tecnologias. vocês viram o organismo de apenas uma célula que consegue achar os caminhos mais curtos e aprovou o mapa do metrô de tóquio? nem eu tenho essa habilidade, dou mil voltas. e um micro-organismo ser mais competente do que os criadores do monotrilho de sp é algo sensacional, sabe. vivo por esses momentos de natureza 10 x 0 homens 🦚
inteligências e tecnologias não deveriam ser domínios exclusivos de máquinas, como vem se tornando. nem toda inteligência é medida em terabytes ou algo do tipo. máquinas, plantas, animais, humanos poderiam se conjugar em vez de serem separados, para formar algum outro tipo de inteligência mais ecológica, ecossistêmica e moderna. amo integração. “estamos apenas nos distraindo com a inteligência artificial ou somos capazes de aprender algo com ela?”
a gente mal conhece nosso cérebro, nossas capacidades ligadas a memória e o potencial da natureza. essa exploração é uma das coisas mais interessantes que poderiam existir e, que tal, ampliaria nossa própria inteligência e adaptação de formas que nem imaginamos.
estava lendo uma news muito legal (em inglês) da anne helen peterson em que ela fala sobre uma evolução no conceito de inteligência, pensado de modo mais coletivo e conectado à natureza. ela fala de inteligência como consciência ativa (amei) e defende um novo paradigma e uma nova relação com a nossa inteligência: menos baseada na competição e mais na direção de estimular o crescimento pessoal e a auto-confiança. utopias, precisamos de mais.
o paradoxo que a gente vive: treinamos as máquinas para serem mais naturais enquanto nós nos tornamos cada dia mais artificiais.
seja nas relações de trabalho, em que profissionalismo se confunde com falta de empatia e emoções; na aceleração de áudios que deixam as pessoas com voz de robô; nos telemarketings sem nenhum resíduo de alma, assim como os caixas de supermercados que parecem máquinas falando nota-fiscal-paulista-ou-sacola-senhora; as marmitinhas em série; os imperativos de produtividade e rendimento tomando conta e sendo contabilizados como nossa grande medida para viver; os algoritmos tirando todo o sabor dos acasos.
já viramos robôs, estamos precarizados em todos os graus e paramos de pensar e de sentir - é o que querem nos empurrar. a nossa realidade reduzida a números, coisas funcionais e novamente a sequência de marmitinhas - tô obcecada pelo tema kkkk
antes, a inteligência era o que nos diferenciava como humanos em relação aos animais. agora, no domínio do artificial, a inteligência parece se aproximar de algo que pode nos causar vários tipos de dependência (vocês já viram o fenômeno dos motoristas-desesperados-desorientados-quando-cai-o-waze-por-três-segundos?), nos explorar (ou alguém acredita que o chat gpt vai reduzir nossa carga horária) ou mesmo destruir coisas importantes pra nós, como a liberdade ou a democracia, se a gente não lidar com esse tema com maior crítica e consciência.
basta a gente pensar que essas inteligências têm dono$, reforçam poderes e são criadas com propósitos determinados. mas aí, se perdermos até a inteligência para o mundo artificial, o que vai nos restar? pra isso, é preciso repensar qual inteligência queremos ou, no mínimo, as implicações de delegar a inteligência a outros agentes que não somos nós. reconquistar a inteligência deveria ser nossa prioridade, desligue essa news e leia um livro.
falando sobre andy warhol no livro o crime perfeito, baudrillard tem um momento (entre inúmeros) épico:
“…visto do ponto de vista do significado, o mundo é completamente decepcionante. Do ângulo da aparência e dos detalhes, é perfeitamente evidente. Assim como a máquina Warhol, aquela extraordinária máquina para filtrar o mundo na sua auto-evidência material.
Ninguém pode pretender descrever essa máquina. Isso implicaria uma cumplicidade literal, uma cumplicidade mecânica, com Warhol. Agora, nem todos têm a boa sorte de ser uma máquina”.
[ai que ciborgue. sem querer fazer uma newsletter muito cabeça, ainda mais porque hoje é feriado e tals, mas baudrillard atenta para o fato de que nos movemos para um mundo onde tudo o que existe apenas como ideia-sonho-fantasia-utopia será erradicado, uma vez que tudo isso será realizado.
tipo, a realidade deixaria de existir não pela falta de um real, mas pelo excesso de real, uma hiper-realidade que acabaria com os sonhos e utopias porque as realizaria. essa hiper-realidade opera sobretudo através das tecnologias e do virtual]
poderia falar disso por horas 👩🏻🎤.
Friday Black: adoro livros estranhos-cotidianos
Alguns livros me relembram como a literatura pode ser uma tecnologia, uma ferramenta para desenhar outros mundos e expandir o horizonte para direções inimagináveis. E Friday Black, livro de estreia (pisou) do americano Nana Kwame Adjei-Brenyah, é um bom exemplo.
São 12 contos que sempre trazem algum elemento absurdo, distópico ou simplesmente bizarro e grotesco, em ambientes e contextos absolutamente triviais. É no comum onde as coisas mais esquisitas e radicais causam a maior sensação de perturbação - e isso é algo que curto, então sempre procuro livros que causem sensações a partir do esquisito, do deslocado. Imagine como é difícil um autor conseguir isso, tipo, criar um constrangimento. Porque facilmente a coisa poderia desancorar e ficar na tentativa.
E aqui, o livro não tem alívios. Como no conto Rua Lark, em que o narrador começa a conversar com dois fetossss ave maria 🫠. Ou Cuspindo Luz, com zumbis na black friday em uma crítica sobre o consumo. Ou a barbárie tomando conta no texto que dá nome ao livro, Friday Black. Outro que adorei foi Os Cinco de Finkelstein, que captura a atenção logo no início da obra, trazendo o assassinato de cinco crianças diante de uma biblioteca, por um homem branco, com ótimas descrições. Achei esse particularmente cinematográfico. A capa é um arraso e você tem cupom para adquirir Friday Black por aqui.
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sextar com feriadinho: gostoso demais
Texto bastante reflexivo para a vida do menor esforço contemporâneo.
Amei essa news um tanto que vc nem imagina!!! Pensando demais no assunto e já preparando vários disclaimer pra próxima edição da Espiral. E dica anotada do “black friday”