.excursão
#46. ser levada para passear passou a ser minha meta. cajado retrátil. climões. vontades idosas. não precisamos esperar nossa velhice para começar. fotos de artistas ótimos espontâneos de férias.
acho que excursões deveriam voltar a ser moda. todo mundo tem alguma história de passeio de escola para contar. eu mesma fiz alguns muito legais, tipo para o planetário da gávea e para o espetáculo da paixão de cristo em nova jerusalém, quando eu era criança-nômade. ainda hoje me lembro de cada detalhe. falou excursão, eu vou.
nada pode ser mais divertido para uma pessoa mentalmente idosa e cansada como eu do que ser levada para passear, ouvir um guia explicando curiosidades, ter os passeios e comidas todos pagos e programados, uma hora certinha para retornar e estar em casa garantida de pijama e com todos os cremes na cara. pra mim, essa é a definição de zona de conforto. e acho que a gente não precisa esperar envelhecer para aproveitar esses momentos seguros tão agradáveis, a hora é agora, vamos viver o presente e fazer excursões.
há mais ou menos um mês, fui impactada por uma publi no instagram e ousei, falei: vamos. era o passeio ‘templo e vivência em floresta’, uma coisa totalmente zen e aleatória, que tinha certo potencial de emboscada. tanto que fomos sem avisar ninguém - o que é uma regra básica quando a gente se deixa levar por uma oferta de instagram, porque se der muito errado ninguém precisa ficar sabendo da humilhação; se der certo, no entanto, ficamos com a diquinha e repassamos como uma pequena vitória.
só viajo com comida e água, não interessa se estou indo para uma grande metrópole com acesso a todas as amenities ou para o mato. nunca iria pro largados e pelados por exemplo, jamais dependeria da minha própria caça nem sentaria nua numa área com insetos. destesto vulnerabilidade. sempre levo uma mochila carregada de água, doces e salgados que me impeçam de passar mal caso eu tenha algum superaquecimento.
sim, uma das minhas características secretas é que superaqueço caso eu sinta fome. a pressão altera e minha temperatura eleva, tipo uma pequena febre emocional. já assustei muita gente assim, ainda não investiguei se sou x-men ou se é só meu jeitinho metabólico diferente. fora que amo na véspera de uma boa excursão fazer uma mochilinha, separar o tênis, carregador, minhas coisinhas todas.
são minhas vontades idosas que já se manifestam, posso sentir, junto com 1. cheirinho de amaciante pela casa, 2. moer o próprio café e 3. a mania de arrumação (sou adepta do ‘isso me traz alegria?’ da marie kondo, uso essa pergunta para manter ou não coisas e pessoas na vida).
chegado o dia da excursão, acordamos cedíssimo como bons aspirantes a idosos, tomamos um bom café e fomos para o ponto de encontro. aí a excursão começa de fato, porque já iniciamos aquele reconhecimento dos personagens com quem iremos passar o dia. traçamos perfis imaginários, mapeamos as prováveis posições políticas, criamos nossos preconceitos infundados como parte do entretenimento.
e é claro, sempre vão ter velhinhas agressivas, aquela idade em que não se tem mais nada a perder: gostam de impor suas manias, não censuram mais os pensamentos e param de pedir desculpas. assim que eu completar essa faixa etária, no dia seguinte, tal qual o prazo de validade dos enlatados, preparem-se: pois vou atropelar todos com meu veículo motorizado nas calçadas. serei livre de amarras sociais, adeus superego. vou ser detestável como sempre quis.
logo garantimos nosso lugar na van e já começamos a observar quem é quem na excursão. sempre imagino um lance meio lost em qualquer viagem. tipo, e se eu tiver que sobreviver com essas pessoas por mais tempo que o esperado? sempre que pego avião ou ônibus, faço esse scan e calculo os perfis.
na excursão tinha a família tradicional com um filho, a moça de meia-idade que foi sozinha, tinha pai e filha, tinha duos, trios e velhinhas single que são experts de passeios e já conheciam o motorista e o guia. super dispostas, fiquei exausta só acompanhando as conversas. ‘nossa, aquele passeio do caminho do mar foi excelente, mas bom mesmo foi a rota do café, mas eu queria fazer um dia a trilha da mantiqueira etc etc’. uma bagagem de excursões que motiva pessoas como eu, que estão apenas iniciando nesse ramo, a fazer mais e mais passeios com tudo planejado.
uma das velhinhas habituées dos passeios assume, claro, um posto implícito de destaque e certa liderança. é aquela pessoa que serve praticamente como ponto de referência quando estamos voltando pro grupo ou algo assim. ela deixou seu cajado retrátil (preparada e especializada com acessórios) guardando o lugar em uma das poltronas da van. outra velhinha desavisada e abaixo da hierarquia sentou e tivemos antes mesmo da partida o primeiro micro-barraco.
- olha, você sentou no meu lugar (assim na lata)
- q
- este lugar é meu (pega o cajado retrátil)
- nossa, desculpa
- imagina, pode sentar (super passiva-agressiva, tarde demais)
- não, que isso, NÃO QUERO INCOMODAR NINGUÉM (a outra velhinha não deixa por menos e instala o climão)
esse momento sem dúvida já tinha pago meu ingresso, eu podia sentir. adoro pequenos barracos inofensivos, eles me fazem me sentir viva. tivemos outro pequeno climão durante a vivência da floresta, quando todos os participantes se deitaram em esteiras após o almoço orgânico no espaço de expansão da consciência (gente, investi tudo nesse passeio, fui aberta). todos fechamos os olhos, estávamos quase meditando, super vibe.
até que a música termina e imediatamente entra a voz alta da senhora proprietária do cajado retrátil DANDO UM FEEDBACK e anulando toda a paz de espírito que conquistamos.
- olha então eu queria dar uma sugestão (interrompe o mantra)
- sim claro (a dona do lugar suspirando)
- seria muito melhor, assim PRA MIM, NA MINHA OPINIÃO, que não tivesse música e a gente pudesse ouvir o som dos pássaros
- sim claro, diz a dona do lugar, mas a música tem um propósito e logo em seguida vamos fazer o banho de floresta, quando poderemos ouvir todos os sons da natureza
- CLARO MAS É MINHA OPINIÃO
- já eu preferi com a música também (outra senhora resolve dar sua resenha também e adeus zen)
enfim, foram umas dez horas de passeio com a gente sendo levado para os lugares certos, sem nenhum tipo de surpresa ou perrengue, sem precisar se preocupar em olhar o caminho no waze ou sequer ver o cardápio pra escolher o almoço. tudo estava definido previamente e a gente só seguiu o flow.
voltei para casa com aquele cansaço bom e feliz, tendo viajado sem ir muito longe. não precisamos interagir muito com o grupo, não há dinâmicas pra ninguém se conhecer melhor ou divisões em turmas, nada que nos desafie. excursão requer um uso mínimo da nossa energia, era o que eu tava precisando: dar o meu mínimo e apenas observar/julgar pessoas, conversas alheias e lugares. recomendo muito que façam excursões nas suas cidades.
pra quê esperar ser idosa, se posso viver uma excursão no tempo presente? namastê.
como o tema é excursão, essa história é simplesmente tudo
passada com os muitos benefícios de queimar folha de louro. estou aberta a experiências místicas sempre e claro que fiz. basicamente rolou um aroma bem de brisa em casa ahahaha, mas mentalizamos coisas boas e tudo certo.
nessa news maaara da maki, um link precioso com um texto do alex castro, que também tem uma news que super acompanho. o título é ‘um dia, você terá morrido ontem’ e é tão bela quanto angustiante a ideia da nossa finitude.
aqui um trecho, mas não deixem de ler o completo. adorei.
(…)
Um dia, você terá morrido dez anos atrás. As pessoas que te amaram (se lembrarem da data) vão pensar em você e dizer: “Gente, quem diria, faz dez anos! Como pode ela nem ter visto Fulana ser eleita, nunca nem ter ouvido falar disso ou daquilo! O tempo passa!” E aí vão voltar a cuidar da vida e vão parar de pensar em você.Um dia, você terá morrido cinquenta anos atrás e a maioria das suas contemporâneas terá morrido. Você viverá apenas na memória de pessoas que te conheceram quando eram crianças, com quem você teve aquela relação distante velha-jovem, que têm uma memória esfumada de você.
Um dia, você terá morrido cem anos atrás e a última pessoa que te conheceu pessoalmente vai morrer e a memória viva da sua existência vai sumir da Terra. Não restará ninguém vivo que conheceu o seu cheiro.
(…)
flowsers queridos, em breve teremos a opção paga dessa humilde flowsmag, para quem tiver interesse em apoiar essa misteriosa pequena produtora orgânica de textos (amo que muita gente me acha secreta porque não uso redes sociais ahahaha então vamos sustentar juntos essa narrativa).
e claro, como tenho dito, manteremos boa parte do nosso conteúdo gratuito, pois o capitalismo não precisa vencer sempre.
por enquanto, se alguém quiser me oferecer um cafezinho, aceito de coração no pix luciana.andrade@gmail.com. agradeço demaaais às pessoinhas que colaboraram, fico sem acreditar nessa gentileza toda :}
e talvez você também curta essas outras edições que o povo amooou, vem julgar:
sextou sempre coberta de razão
Luciana, você acabou de ganhar o título de influencer, real oficial. Eu sempre penso em excursão e logo depois descarto pensando "ah, mas tão melhor ir só eu e o boy, fazemos nosso próprio roteiro, fumamos um baseado, não temos controle de horários e coisas do tipo", mas o fato é que NUNCA fazemos isso assim do nada, estou perdendo a oportunidade de fazer diversos passeios aleatórios e divertidos. Procurando uma excursão agora mesmo, nem que seja pra morrer de ódio de ter que ficar menos tempo do que gostaria num ponto que me agradou pra depois passar tempo demais em lojinhas onde não comprarei nada. Rsrsrs
Excursão é tudo de bom. Esses dias rolou uma espécie de excursão, um vale tarde para um evento gastronômico na beira de um rio. Em uma van caindo aos pedaços, em uma tempestade. Mas foi bom, justamente pelo clima de excursão de escola e um monte de adulto tendo uma tarde sem os filhos.