.contradições
#32. hannah, lina e elke em biografias. ambiguidade como exercício de liberdade. guilty pleasure. adele na reforma. metaverso again. air fryer da drew barrymore. ursos na cidade. bolo desmotivacional.
ando numa fissura por biografias. li três sobre mulheres nas últimas semanas. de elke maravilha, por chico fellitti; de lina bo bardi, por zeuler lima; e de hannah arendt, por ann heberlein. me apaixonei pelas três, especialmente pelas contradições de todas elas.
admiro horrores quem tem um compromisso maior com as próprias verdades do que com satisfazer expectativas e desejos de coerência alheios. acho de uma integridade e de uma coragem profundas.
inclusive, tem um livro da simone de beauvoir, por uma moral da ambiguidade, que guarda exatamente essa ideia: a ambiguidade, o erro, a incerteza e o risco fazem parte do humano. e mais: são expressões do nosso exercício da liberdade. à nossa existência, vamos conferindo um sentido ao longo de toda a vida, não é algo imutável. acho linda essa ideia.
ficar buscando coerência tem muito de moralizante e disciplinar, acho que é por isso me incomoda tanto - e pratico a contradição na vida em vários sentidos. amo. (jornalismo x história; anticapitalismo x varejo; vida acadêmica x viver em sociedade, entre outras coisas. acostumadíssima a não dar explicações)
voltando às biografias. inevitável a gente fazer um pequeno exercício de comparação masoquista quando lê biografias. porque a vida dos outros sempre parece infinitamente mais interessante e rica que a sua. todo mundo basicamente fazendo algo incrível enquanto estamos aqui no corre 29 h por dia fazendo calls e powerpoints.
de repente lina estava na itália, foge diva com malas gigantes, vira best friend de glauber rocha e desenha o museu mais bonito da américa (humilde opinião. amo o vão do masp e se eu pudesse começar uma revolução juntaria o povo lá). de repente elke estava pleníssima com clash de estampas sendo estrela apátrida na tv quebrando tabus e contando sua própria história - fingindo que era russa. de repente hannah estava trocando cartas com toda a intelectualidade mundial, vivendo os anos loucos de paris e berlim, escapando da europa tipo num filme e mudando o mundo com seus pensamentos.
não queria me estender, não vou falar detalhes dos três livros. mas tenho certeza que as pessoas interessantes são as contraditórias e por isso elas foram biografadas. gente linear não é biografada, regra básica.
por exemplo, hannah. se apaixonou perdidamente por habermas quando fora sua aluna, foi intensamente correspondida e tiveram um relacionamento bem assimétrico, que ultrapassou até o fato de ela ser judia e de ele ter sido um nazista fdp filiado ao partido de carteirinha. ficaram um tempo sem contato durante a guerra mas, no pós, ela em certo momento tentou passar um pano - e falou que ele não foi assim tão nazista.
mas amigah, não existe meio-termo quando se trata de nazismo (ela melhor que ninguém sabia disso). ela o perdoou genuinamente e eles se reaproximaram. segura esta marimba. segue hannahdespreocupada.jpg.
fiquei zonza com isso, porque hannah é uma pensadora que pauta todo o seu trabalho no discernimento, na responsabilidade e na reflexão. só ela sabe o que foi preciso enfrentar interna e externamente para segurar esta manga. e nem vou falar do anti-feminismo dela. mas recomendo muito, muito o livro de ann haberlein - biografia curta, que não chega a 250 páginas, que mistura a vida e os pensamentos políticos. dá uma vontade louca de ler tudo o que hannah escreveu logo depois. livro bom é assim, atrai mais dez.
[abre parêntese] ler este livro que narra a vida incrível da hannah arendt é também um exercício permanente de pensar sobre o brasil. inevitável, em boa parte das obras que tratam de nazismo. diz ann, resumindo o pensamento de hannah: “O grande problema não são as poucas pessoas que escolhem fazer o mal; o grande problema são todas as pessoas que não escolhem, que não se posicionam sobre ser mas ou boas, sobre contribuir para o mal ou para o bem. Foi a indiferença da grande massa, sua abdicação da responsabilidade, que possibilitou o Holocausto, não a crueldade de um pequeno número de pessoas más”. [fecha parêntese]
na biografia da arquiteta lina bo bardi, a contradição ocupa as quase 500 páginas do livro, até que você desiste de julgar e simplesmente segue o flow da bonita. já começa com lina inventando o próprio parto com drama, incluindo um terremoto - sendo que os registros de terremoto na itália não batem com a data de nascimento dela. e na vida vamos assistindo a uma mulher sempre próxima do poder ditatorial, fosse na itália ou no brasil, mas com um discurso permanente de valorização das coisas populares, que a aproximava de algumas esquerdas políticas e artísticas.
era uma crítica da elite, mas pertencia a ela. e era no mínimo irônico que algumas obras com a intencional aparência de ‘poveras’ ou inacabadas saíam mais caras do que se fossem feitas com acabamento normal hehehe. aliás, lina recebe uma carta, já numa fase mais madura dela, que aterrissa seu pensamento. é quando celso furtado escreve que ‘a arte não pode ser um consolo para a miséria’. foda, né. ela então para de romantizar e ser condescendente com a pobreza e refina seu olhar e seu discurso. ela cresce, tem momentos decoloniais (ok, era europeia, mas a news é sobre contradições) e afirma um olhar diverso e super moderno para sua arquitetura e a arte.
lina odiava são paulo (adoro ‘ela nunca escondeu o desgosto’ kkkry, lina me abraça), mas por aqui deixou seu maior legado. porque sim e tá tudo bem.
conforme vamos entrando nas camadas, a gente vê que não é fácil viver - pra ninguém, muito menos para elke, lina e hannah. e que para cada uma, a seu modo, sustentar suas ideias & contradições foi um grande esforço. especialmente em um mundo que nos empurra o tempo todo para o padrão. especialmente no caso de mulheres. e nem esse mundo escapa à contradição, ora ora, vejam bem, pois ao mesmo tempo ele nos impõe a ideia de que precisamos ser criadores originais de coisas e ser únicos, ainda que seja um único que fala e dança igual a 6 trilhões e meio de pessoas.
o que une essas três mulheres que viveram em espaços-tempos diferentes, ainda que tenham coexistido, é o compromisso inegociável com a ética e a verdade delas, ainda que isso implique em contradições muito difíceis de aceitar. e quem somos nós? ler biografias é esse exercício imenso de empatia, de mandar um ‘e tá tudo bem’ em alguns casos e é excelente para gerar repertório emocional. falei bonito, kkk. mas não é?
isso o algoritmo não cria. cultivemos nossas lindas contradições e o que é humano e livre enquanto podemos #manifestos.
amo adele eternamente no clipe na casa inacabada, quem nunca passou perrengue com reforma (meme antigo, mas tava guardado aqui).
amei essa entrevista com chico felitti na pauliceia, assinem a pauliceia, uma news irmã da flowsmag:
esse trecho sobre metaverso (deste texto) rende uma boa conversa na linha do tema da nossa última newsinha.
Todos nós sabemos que a decisão de comprar um sapato Louboutin, ou uma bolsa Louis Vuitton, ou mesmo um Red Bull ou um tênis Nike, tem pouco a ver com aspectos funcionais (qualidade e durabilidade de uma bolsa, beleza de um sapato, conforto de um tênis ou sabor de uma bebida). As pessoas pagam pelo que a marca significa. Usar estas marcas denotam um estilo de vida e/ou um status social. No metaverso, essa busca será escalada de forma potencial, já que se amplificará a visibilidade de cada indivíduo em ambientes digitais. Se as redes sociais multiplicaram de dezenas para centenas o número de pessoas com quem um usuário comum se relaciona, o metaverso levará este número para a casa dos milhares, e oferecerá ainda mais possibilidades de se construir uma imagem de si mesmo para os outros, bem como o peso da imagem construída digitalmente na percepção global da imagem de uma pessoa.
omg essa air fryeeeeeer
e os ursos que vivem na cidade abandonada? não sei lidar com eles sendo doninhos de casa.
mais fotos aqui na matéria para vocês sorrirem neste dia nublado.
sextou e:
Que edicao maravilhosa Luciana! Sou muito contraditoria, acho, e adoro saber de outras pessoas que assim sao. Queria ter tempo de ler as 3 bios agora, mas nao posso. Anyway, estao na minha lista. Obrigada por este compilado <3
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