.supermercado
#16. nojos. julgamentos de cestinhas. mentiras da indústria. the eye. velhinhas grosseiras. tomates elétricos. querida konbini. rifa de choca, salame e cuca. bodega cats. 5 links.
eu adorava ir a supermercados. ainda gosto, mas foi mais um pequeno prazer que se esvaiu em tempos difíceis. ainda sigo todos os protocolos e passo álcool em tudo, lavo vidros, fico agoniada de estar num mercado lotado como se fosse abril de 2020 obrigada a tocar onde outras pessoas tocaram. bom que agora estamos mais conscientes sobre o quanto é seboso um carrinho ou a cestinha de supermercado. a esteira do caixa, só deus.
agora que a anvisa enquadrou os argentinos, pode olhar para nós, para as maquininhas de cartão e ver como são nojentas a ponto do dedo deslizaaaaar. entre os novos todos-os-protocolos tem sempre um plástico mal colado nelas (que junta ainda mais sujeira onde já era imundo).
apesar de questões sanitárias, de extorquir pequenos produtores e dos preços impossíveis do fuzil fradinho, supermercado é legal. é onde coleto trechos de conversas. onde reparo nas pessoas. onde julgo hábitos alheios. ou vocês achavam que eu não iria julgar adulto comprando cocas, xilitos e miojos (meu povo, em 2020 o brasil consumiu 2,7 bilhões de porções de miojooo).
(conscientes, claro, sobre o fato de que não podemos falar em ‘comida lixo x comida de verdade’ especialmente no atual contexto social e econômico. tudo é comida e tem muita gente que só tem acesso a esses produtos. a gente julga os privilegiados que claramente teriam a opção de comprar uma acelga e não o fazem)
mas sim, faço na hora a biografia completa imaginária da pessoa
só olhando o que ela leva na cestinha.
pacto no supermercado
amo criticar embalagens na paleta de cores vegana composta de verdes, beges e papel craft energy.
as falsas promessas dos ultraprocessados (50% menos sódio e o triplo de gordura). a tentativa de despertar desejo (agora feito de milho). frases cínicas (margarina que faz bem pro coração). os autoproclamados salvadores da pátria que são cria do agronegócio (do futuro). a venda de tradições e afetos (da vovó). apropriações inescrupulosas (fermentação natural que dura 13 anos sem refrigeração). redundâncias para inocentes (azeite vegano). o superalimento do mês (maca peruana). os maniqueístas (do bem). o falso compromisso social (multinacional que ajuda a comunidade ou o meio ambiente). as vantagens superestimadas (supre todas as necessidades de vitamina Ê). autoelogio do que seria apenas obrigação (reciclável). falsas origens (amazônica).
o fingimento coletivo dos rótulos, o pacto da enganação entre: quem fabrica, quem era pra fiscalizar e quem consome. e a hipocrisia da ilusão de variedade quando tudo ali veio da unilever e é feito de açúcar.
reparei um dia desses em como os chocolates vogue wellness são excelentes para rir em termos de storytelling. fora ser um chocolate para mulheres - uma vez que tem cores pastéis, fala sobre culpa e um sabor especial pra aliviar tpm.
distopia e agressividade
o supermercado daqui sempre pressupõe que todo mundo vai roubar a loja. se a gente entrar com uma micro sacola, te obrigam a colocar um lacre maldito. instalaram um totem distópico com um guardinha que apelidei carinhosamente de the eye (em homenagem a the handmaid’s tale) que ganhou um walkie talkie e um pequeno poder. seu ponto alto do dia é falar psst psst psst ei pra colocar aquele lacre odioso e ninguém roubar. o cúmulo. um microcosmo do país.
outro microcosmo são as idosas passivo-agressivas. elas disputam a cebola e o tomate ali com você, às vezes até tomam da sua mão (já aconteceu). passam com o carrinho em cima do nosso pé (também). batem a bolsa na gente (check). capazes de tudo aquelas ali. poderiam levar um choquinho do tomate, só um sustinho. meio que decidi que vou me vingar e serei esse tipo de velhinha. bruta sempre, de cabelo vermelho. 🧑🏼🦰
loja de invenções
eis que em sp temos a daiso. totalmente contra meus preceitos - cada item deve render um bônus de karma que leva três vidas pra gastar, combinando trabalho escravo, a pegada de carbono que deve calçar 59, produtos que devem envolver metais pesados. mas amo, pois além de ter coisas úteis (marcadores de livro, timer de cozinha), tem INVENÇÕES. uma loja de invenções é interessante por si. são novos produtos todo dia. pantufas que servem pra limpar a casa, ganchos pra guardar o cacho de bananas em pé, molde pra oniguiri, coisas que jamais iremos usar mas que precisamos.
me larga, quando eu quiser parar eu paro. 👀
querida konbini
em uma news sobre supermercados eu não poderia deixar de falar desse livro curtinho e ótimo, querida konbini, de sakaya murata.
konbini é a versão japonesa para convenience, ou seja, lojinha de conveniência dessas que vendem comida, papelaria, que resolvem a vida e são onipresentes nas cidades grandes do japão. a tradução do título pro português como querida konbini traz um trocadilho perfeito: como se a loja fosse uma personagem do livro.
e é. a história é em torno de keiko, que tem mais de 35 anos e desde criança é considerada estranha. ela conserva esse emprego pago por hora na konbini, não casou, não seguiu todos os protocolos japoneses, então continua deslocada. a loja é um espaço onde ela se protege das cobranças, onde reações e relações seguem um pacto meio automático. keiko imita os colegas no jeito de se vestir, entonações e até expressões faciais para fazer parte de algo, ainda que superficialmente.
na konbini ela passa a existir. o corpo e o tempo dela pertencem à konbini. não vou falar nada mais, mas a história e a escrita encantam por serem despretensiosas e econômicas. tudo se passa em poucos espaços: na konbini, no apartamento de keiko e no espaço interior dela. livro simples e incômodo, complexo, na critica do capitalismo, do machismo e do teatro social. destaca a inadequação e a imposição de uma vida comum - quando o sistema finge apresentar uma série de escolhas. e até que ponto podemos ser diferentes?
assim como os produtos de supermercado: sempre ela, a ilusão de variedade.
o perfil bodega cats é obrigatório hoje
o tema é supermercado, mas essa rifa vai te fazer valorizar as pequenas coisas do campo 🐷
🔸links
sensacional o roda viva com conceição evaristo
série Valeria (Netflix), pra ver despretensiosa de pijama com pipoca. achei que as idas e vindas dos relacionamentos das quatro amigas ficaram repetitivas. mas amo as roupas, os apês e quero madri ♥️
como resorts de luxo se tornaram um retrato da elite branca. ótima matéria que inclusive conecta às novas produções de wellness horror (nove desconhecidos e white lotus) filmes como titanic e us
podcast delicioso sobre nelson rodrigues. imediatamente comecei a ler o casamento. o falso moralismo, os autodeclarados cidadãos de bem, o linguajar cafajeste dos homens, as instituições falidas, o clima paroquial da tijuca, hábitos estranhos secretos, maravilhoso e atual o ambiance 💎
sextou triunfante ♥️
"os autoproclamados salvadores da pátria que são cria do agronegócio (do futuro)": amei isso hahahah
Caramba, tenho alguns caderninhos da Daiso...eu não vou fazer essa conta, não posso rs...como só aceitei as informações hoje, vamos calcular a partir de agora certo?