.razão
#36. os três cristais da razão no twitter: o iluminado, o fiscal de experiência e o fiscal de doutorado. narcisa. automatizar a vida. minhas unhas duraram 24h. sextou com mia.
todo mundo quer ter razão. em nome disso, a gente já perdeu tanta, mas tanta coisa. inclusive oportunidades boas de conversa.
um lugar que me tem feito refletir sobre o tema é o twitter, nesse cenário de mais uma guerra em curso - que era a última fronteira (famous last words 🎻) da tragédia em um mundo com pandemia, aquecimento global e cramulhão na presidência. acima da disposição de discutir a guerra e temas interessantes como a solidariedade seletiva que se instaura, vem o desejo e a ansiedade de ter razão.
vamos trazer três tipos de pessoas que querem ter razão para explorar hoje:
os iluminados
os fiscais de experiência
os fiscais de doutorado
os iluminados
trazem um tonzinho de ‘EU tenho acesso a um ponto de vista que ninguém mais tem, só vocês não enxergam as razões ocultas da ucrânia ou da rússia, todos os jornais estão errados e só eu sei porquê’. ah vá 🥱. a pessoa com a aba aberta no uol se achando o descobridor do camafeu da verdade (estou girando, que ódiooo). é mais que evidente que a imprensa tem seus mil interesses e lados (vocês escutam? é o barulho do tabu da imprensa isenta quebrando), portanto é muito 1990 criticar a globo pra demonstrar senso crítico nas redes.
tão irritantes pessoas se comportam como iluminadas. rola pra mim até um efeito gaslighting tipo: ‘todo mundo falando que esse ponto de vista é ingênuo, será que é isso mesmo?’ mas resisto.
e a gente sabe que todo aquele suposto ponto de vista originalíssimo do nobel que twitta, o dono do fio, o espertão está basicamente reproduzindo alguma coisa que ele leu e coloca como dele, chamando quem não leu aquele texto de ‘ingênuo’. gente, sério.
e sabemos que se tirar o google da tomada, a pessoa não faz uma pipoca. me apavora, inclusive, essa dependência de ninguém mais riscar um fósforo sem antes ver no youtube como faz. efeito waze, né. se o app cai, o nível de desorientação e inércia choca.
é o mesmo no twitter. onde alguns veem timeline, vejo guerra de parágrafos colados das buscas do google ou uma compilação de twitts já publicados (fiz a iluminada agora mas finjam que não aconteceu). acho até engraçado como as pessoas pegam esses recortes e se apropriam, defendem de coração.
para o iluminado, rola sempre uma certa intimidade com artigos definidos diante de nomes cheios de consoantes como se fossem velhos conhecidos dos fatos. tipo ‘ah, mas o que vocês não sabem é que ‘o’ volodymyr oleksandrovych zelensky foi ator há dez anos segue o fio de coisas que copiei e colei de variados lugares como se eu tivesse acabado de me lembrar casualmente’.
é tudo mentiraaaa (estou novamente girando). sinto um mix de pena e raiva de quem age como se tivesse pensado aquilo, como se tivesse produzido aquele dado, como se tivesse se lembrado sozinho de um microbombardeio que apareceu somente no noticiário local indie de kiev mas que catalisou a atual guerra e só o iluminadão ligou os pontos, nem a onu sabia. como se soubesse desde sempre, querendo desqualificar as pessoas com ar de superioridade e argumentos de ‘mas você não sabe bem do que está falando, pois na invasão da crimeia…’. uó.
os fiscais de experiência
outro tipo que quer ter razão na timeline é dono do discurso do ‘se você não está lá com uma metralhadora e um coturno, nem venha aqui opinar’. agora pronto, né. aí você encerra a maioria das conversas do planeta inteiro, pensa bem. se a permissão ou o critério para falar de um determinado tema for ter vivido uma guerra ou ter morado na ucrânia, tamo frito. eu só vou poder falar sobre pão, newsletter e olhe lá.
complicado a gente transformar tudo em uma disputa de experiências e de quem esteve mais perto (e aí sempre surgem as aproximações forçadas, tipo ‘meu avião sobrevoou a ucrânia nas férias de 2011 e por isso posso falar sobre o conflito’). aliás, muitas vezes o que dá perspectiva e condições de falar sobre alguns temas é exatamente o distanciamento e não o contrário.
o nível que tá a galera, buscando ‘ter propriedade’ pra tudo:
há tantas visões possíveis sobre o que está acontecendo. e a gente não precisa escolher necessariamente apenas uma delas. é possível concordar com coisas antagônicas, tá tudo bem e é sobre isso. é possível a ucrânia estar errada e a rússia estar mais errada ainda. é possível ter uma história formada apenas por vilões (ucrânia, rússia, otan, eua, tudo tem seu presente-passado medonho) e ter um mais-vilão que os demais-vilões, o que não torna o menos-vilão necessariamente herói.
mas não, a turma que quer ter razão precisa de algo bem definido, um ponto de vista bem mercadinho, de preferência dicotômico.
aceito dostoievskis
os fiscais de doutorado
aí lembrei do nosso terceiro cristal da razão que é o fiscal de pós. ‘ah, mas você não tem doutorado em geopolítica contemporânea com pós-doc em ucrânia governada por ator, então perdeu o direito de achar qualquer coisa’. hello, meu povo. fosse assim, o twitter seria uma grande sorbonne com os catedráticos trocando dica de bibliografia. foucaults only.
opinião tem sido um lance superestimado e tá causando estragos em nome de umas legitimidades/validações nada a ver. gente, é só um ponto de vista. acho super tranquilo, eu bem humilde, a pessoa falar o que pensa (desde que não seja uma ‘opinião’ que incite violência, seja racista, homofóbica, transfóbica, machista etc etc etc) sobre uma simples notícia no jornal, conversar e tal. surreal a cobrança de um diálogo apenas entre pós-graduados no twitter.
e como toda ação gera reações, vi esses dias a coisa virando e o povo que passa a xingar quem tem doutorado ahahaha. tudo pode entrar nessa mira quando menos se espera. basta existir. essas viradas de manada são bem interessantes de observar. é um grande ‘ah, mas nem todo doutor é inteligente’, levando pra um lado igualmente surreal a conversa que era pra ter sido sobre ucrânia e rússia e tal.
(
parêntese
acho inclusive ilustrativa a popularização do formato de vídeos chamado de ‘reação’ (fulano reage ao lançamento, reaction de beltrano sobre o filme etc), porque diz muito sobre um momento da humanidade em que as pessoas não necessariamente refletem, mas sempre reagem. e é isso que engaja. eu com meus botões aqui.
)
não sei se cheguei a alguma conclusão - muito provavelmente não, pra variar - mas sinto que na ansiedade de ter razão ninguém mais se escuta e isso faz as pessoas desaprenderem a ponderar e a relativizar. a conversa é também repertório de outras coisas além do tema sobre o qual se fala, ela traz informações sobre como perceber e lidar com o outro. sem isso, tudo fica apavorantemente extremo e literal. o mais importante é falar sobre si e vencer. vencer é fundamental, essa coisa competitiva de defender um ponto de vista (que nem sempre é seu), porque no fim só se quer ganhar, não se quer conversar. e olha que eu AMO estar certa, fico compensadíssima, a pele reluz, mas é diferente hehe. a gente precisa ser escolher nossas brigas.
será que a terceira guerra nem vai ser sobre disputa de água, mas sobre ter razão? a ver.
meu povo, vocês precisam escutar esse podcast.
narcisa é louquíssima num nível que meu deus. nunca vi tanta coisa aleatória por minuto. são várias histórias delícia do chico felitti, que passa um dia surreal com narcisa e conversa também com pessoas que conheceram narcisa, como a jana rosa.
menção honrosa nesta temporada do podcast além do meme vai para o episódio sobre a ‘dancinha do impeachment’, que aconteceu em fortaleza.
(só achei levemente esquisito o início: chico chegando na cidade e perguntando na rua aleatoriamente se as pessoas conheciam alguém que participou desse flash mob infeliz. what. como se fortaleza não tivesse quase 3 milhões de habitantes, mas enfim)
não conhecia a cidade, adorei o post
muito boa essa edição da news da cristal muniz
destaco esse trechito
Por que a gente precisa automatizar tanto a vida? A gente pode cair num simplismo de dizer que está buscando mais conforto. Mas as máquinas ainda não resolvem três problemas: 1) que a gente trabalha demais e, cada vez mais; 2) que a nossa sociedade valoriza a produtividade e a performance, então economizar tempo aqui serve pra realocar ali em mais uma aula, curso ou horas trabalhadas; e 3) que a gente gasta tempo demais na internet e nas redes sociais “fazendo nada” e que esse tempo economizado facilmente vira scroll de instagram, tiktok, YouTube e twitter.
minhas unhas grandes
dear diary, coloquei unhas postiças pra dar um up no visual (me deixa) e me sentir kardashian poderosa e simbólica no carnaval. queria me sentir mais mulher mais tigresa queria me sentir viva. mas gente, nunca mais. que dificuldade EXISTIR com unhas desse tamanho. eu não conseguia 1) digitar no celular, 2) lavar o cabelo, 3) beber água, 4) nada. arranquei em menos de 24h com ódio ahahaha.
ainda não retomei a série a amiga genial, baseada na tetralogia da maravilhosa elena ferrante e que tá com temporada nova, mas sempre vale relembrar que nino sarratore é boy lixoooo picolé de limão puro
fiquei tãããão feliz de sair nessa lista selecionadíssima da carol, de newsletters maravilhosas. ♥️
aliás, chegou uma pá de gente aqui, mais flowsers no nosso jardim - amo 💅🏼
sextou com mia misteriosa no café ☕
Estava rindo alto, gargalhando, já escrevendo o tuite pra recomendar essa edição e APARECI ALI NO MEIO!!! Obrigada <3
Ri alto aqui. Edição perfeita!! (E obrigada pela menção! Que honra ❤️)