.quiet
#63. quitting. questionando crenças neoliberais. flexibilidade para quê? promessas não cumpridas. girando duas vezes. newsletters-pepitas. monange daydream (me deixa com minha pronúncia). barril again
e aí você coloca o play nessa da beyoncé
meu disco do momento é renaissance sim ou com certeza bitches
faz uma semana que deixei meu emprego. não foi uma decisão fácil, tampouco será simples escrever o texto de hoje. não costumo sofrer do bloqueio do documento 1 do word, pois desenvolvi técnicas de sobrevivência ao longo dos anos para (re)começar qualquer coisa (olha para o horizonte experiente e anciã).
em momentos assim, de decisões e mudanças maiores, é impressionante como o autoconhecimento alcança a potência quase máxima. saber:
o que quer,
o que não quer,
quem é você,
o que você sabe fazer,
para onde quer ir,
em quê você acredita
do que você é capaz.
tudo é colocado na mesa.
se já sou uma pessoa reflexiva, imaginem como estou agora: insuportável. mas vai ficar tudo bem, sempre fica :}
e, como falei na edição passada para assinantes, nem sempre a (auto)análise leva a caminhos que a gente deseja. então é sobre abraçar isso também. aliás, se você esperava o momento certo para apoiar esta pequena produtora de conteúdo com sua assinatura maravilhosa, esse dia chegou. assim poderei me permitir continuar GIRANDO aqui sem parar na flowsmag.
no paralelo, estão afloradas as conversas sobre o sentido do trabalho e o lugar que essa dimensão ocupa na vida. sim, ele é uma das dimensões e não deveria estar em tudo. nem sempre há equilíbrio, nem sempre depende de só querer. há um contexto maior.
tenho acompanhado muitos conteúdos sobre o fenômeno do momento, o movimento quiet quitting, entre millenials e geração z - e que não é tão novidade assim. o quieto está na moda, mas não é a quietude que a gente gostaria (risos nervosos).
ele diz respeito não propriamente a fazer corpo mole pra ser demitido, como sugere a tradução para o português. representa mais uma desmobilização de crenças e valores neoliberais. nunca pratiquei quiet quitting, talvez até tivesse evitado alguns burnouts se eu tivesse feito meu básico, que já é muito bom. mas entendo o conceito e acredito na importância de desnaturalizar ideias que afetam tão negativamente a vida dos trabalhadores: eu e você, que não temos grandes fortunas (se tiver alguma grande fortuna lendo, olar). a consciência de classe, ela chega.
séries como we crashed (bem boa) e super pumped sobre a uber (meio ruim) mostram bastidores de empresas ‘modelo’ que por dentro eram podres. no ar, há a crítica ao modelo neoliberal da flexibilização da vida - flexibilizar pra quem e o quê? um conceito moderno que na prática foi se revelando ser um ‘alarga que cabe mais’, ampliando carga de horários, atividades e tempo de tela para ocupar vidas cada vez menores.
sobre flexibilidade, vale escutar as intervenções do Tulio Custodio (sociólogo e curador de conhecimento na Inesplorato) nesse episódio do braincast:
as pessoas finalmente se deram conta (sempre é tempo) de que as promessas de dinheiro-fama-sucesso-mansões-iates-automóveis-mulheres (eterno episódio do picapau) não serão cumpridas, ainda que a pessoa vista a camisa, trabalhe além do previsto, abrace funções não combinadas nem remuneradas e invista 10% do seu salário mínimo na bolsa. rolou durante um tempo (décadas) a narrativa de que era só querer. pessoal super quis, batalhou e não venceu - nem vai. raramente há simetria ou troca justa nessa relação.
as gerações atuais parecem mais endividadas, exaustas, ressentidas e solitárias. cheias de sequelas da pandemia para ainda elaborar. ficou cafona falar de performance, resiliência, empreendedorismo e do elogio ao sofrimento para se legitimar. especialmente pela insustentável contradição entre essa ficção e a realidade. discurso motivacional para quem está adoecido é insensível. até a ajuda é uma autoajuda, se vira.
vivo de cantar a bola de que pra tudo há uma reação. e ela está vindo. zero surpresas para os movimentos antiwork, grande renúncia (tema da música da beyoncé no começo da news) e quiet quitting. galera pergunta quanto se paga pelo que se ganha e sacou a real.
mas questiono a palavra ‘quiet’, mais do que o ‘quitting’.
afinal, tá quieto para quem?
se muita gente está falando sobre um mesmo assunto, tipo quiet quitting, isso é sintoma (literal) de algo. foi uma das coisas que aprendi na fase pesquisadora: buscar palavras mais ditas em um período ajuda a entender interesses, angústias, expectativas. ainda que sejam um recorte da realidade, elas integram a realidade e podem ser parte da resposta.
[novamente girando para me reconectar with myself]
quiet quitting, quiet firing, quiet burnout e outros quiets não são silenciosos. são processos desgastantes e até violentos para a subjetividade - e verbalizados por quem pode. vidas inteiras são postas numa dinâmica bruta, bem menos sutil do que a palavra quiet sugere. e ele traz um elemento valioso: o dizer não, fundamental para definir limites no nosso terreninho emocional e criar um mundo possível.
(sempre contextualizando que nem sempre, infelizmente, se tem o privilégio do não e do quitting)
o que precisamos é de uma quietude real. que não tem a ver com sofrer calado nem achar normal adoecer só porque todo mundo adoece junto.
tem a ver com se aquietar, se ouvir, se respeitar e se curar. parar de adiar a vida. proponho então um movimento de quiet loving com a gente mesmo =)
vem
newsletters PIPITAS DE ORO que trago pra vocês
“(…) acho que gosto dos caóticos também porque eles destoam. (…) vivem sempre à margem do esperado. Eles são, enfim, os que deram errado. E todo mundo que dá errado coloca em evidência o próprio conceito de dar certo”:
“Nesta edição eu quis te lembrar - e me lembrar - desse bastidor maior, do esforço por trás de todos os atos que reconhecemos publicamente como geniais como o fruto de esforço, constância e tempo, esse ingrediente maior. Qual foi a última vez que você se deu conta disso ao se deparar com o trabalho de alguém?”
amei MONANGE daydream (me deixa pronunciar como quiser)
ainda está em cartaz em sp (tenho esperança que vá para a hbo um dia) essa super jornada visual, musical e experimental sobre david bowie. Moonage Daydream não é um simples documentário. ele se desprende das convenções do gênero e cronológicas para trazer uma linguagem complexa e sensorial, que reverencia o próprio estilo fragmentado de bowie - que, ao mesmo tempo, consegue ser organizado e consistente em seus processos como artista.
é mais sobre a filosofia de bowie do que necessariamente focado nas músicas, então acho que vai agradar a quem já conhece um pouco a obra. vá de mente aberta, se for. e enfim, você sai cheio de vida com vontade de fazer shows, pintar telas e ser artista (eu me expondo aqui).
fiquei passada com
bowie ótimo em música, dança, moda, pintura, escultura, teatro, roteiros e todas as performances possíveis. é lindo um artista que tem o que dizer
bowie escolhendo cidades que ele achava árduas (berlim) ou detestava (los angeles) para morar e sair da zona de conforto
bowie sem casa própria nômade digital antes de todos
bowie aos 33 anos com 17 discos. não tem como a gente se conformar com nossa insignificância
a beleza de quando ele fala na energia do caos
as coxas lindas dele e lookinhos perfeitos, ÍCONE DA MODA
a força de seu ascendente em aquário na visão moderna pra tudo
o otimismo e a ironia. pura inspiração
tudo isso sem deixar de ser um documentário pessoal e introspectivo.
bowie é alguém que a gente gostaria que vivesse pra sempre. só pra ver o que ele faria ou pensaria sobre tudo o que está acontecendo.
interessante o caminho dos documentários musicais. get back, de peter jackson, trouxe também com ousadia, mas de uma forma bem crua, o processo criativo na última fase dos beatles em 9h de ensaios da banda divididos em 3 episódios. amei, mas precisa ser fã.
e eu na disputa da melhor postagem em língua brasileira concorrendo com minha situação de barril ahahahah
e sextou com esperança para um TRERDE outubro feliz.
vem gente, precisamos mudar o país e o rodapé dessa newsletter juntos.
Vibrando com seu novo momento e amei MONANGE, porque tive a mesma leitura. Hahahhaha
lindo demais, lu! essas reflexões sempre acabam voltando e são extremamente necessárias :') escrever é uma forma de lidar com elas e entender mais o caminho que vamos desenhando. amei suas reflexões e já quero ver o documentário sobre bowie. beijo e bom voto!