.palavras
#47. completamos um aninhommm. obcecada pela exposição bottanica tirannica. livro 'a consulta' e fluxo de consciência louquíssimo. novidades sobre edições pagas de flowsmag. feira de livro, bora.
gentemmmm, fizemos um aninho de flowsmag em 28 de maio, não é mágico? eu não teria chegado até quase 50 edições sem vocês, jamais. ☕
dou muito valor às palavras, acho que até demais. me importo muito (até demais) com, como e quando é dito. deve ser por isso que vivo cansada, analisando (em vão e até demais) o mundo e o que se fala. e cara, que mundo a nossa geração está experimentando hein.
dia desses eu estava fazendo um compilado das desgraças: violências mil pelo mundo e por perto, é golpe de pix, é golpe de uber, é ameaça de golpe, tudo caro, gente horrível, robôs horríveis, amazônia passando mal, mundo errado, burnouts, desgraças e ameaças todo dia quando ligamos qualquer tela. tá osso.
é um amontoado de palavras que já nos causa mal - e isso prova em si o quanto elas têm força. boa parte das batalhas que vivemos hoje são travadas na narrativa, no discurso, na inversão do sentido das palavras. gente feia favorável à ditadura reivindicando liberdade de expressão, hellouou. palavras assumem importância e nunca se escreveu tanto, mas parece que nunca se leu tão pouco. a gente está num buraco, numa confusão, é pau, é pedra, tudo é uma loucura e um absurdo novo, diário.
por outro lado, isso é no que eles querem que a gente acredite.
acho que só as palavras podem nos tirar desses impasses e buracos.
nessa semana estive obcecada pela exposição botannica tirannica, que entrou em cartaz no museu judaico de são paulo. aqui do ladinho de casa (é isso que me sequestra em são paulo, um dia falarei sobre. a cidade me trata mal, mas me dá um museuzinho, uma pracinha, um restaurantinho diferente, um drink, um café e eu já volto derretida e humilhada para seus braços).
mas voltando à exposição: a artista, ativista e professora da usp giselle beiguelman um dia recebeu de presente uma mudinha de planta, cujo nome ~popular~ era judeu-errante. ela, por acaso judia, veja como são as coisas, obviamente se incomodou e empreendeu uma investigação sobre outras várias plantas que possuem nomes misóginos, racistas, antissemitas.
é cada nome ofensivo que meu deus, dá vergonha de reproduzir. ‘cabeça-de-negro’, ‘catinga-de-mulata’, ‘sapatinho-de-cigana’, ‘espinho-de-judeu’, trezentas mil plantas (na verdade, 3 mil, que giselle estima) que remetem a opressão, racismo, vaginas, hímens e virgindades, entre muitas outras obsessões mal recalcadas e preconceitos dos colonizadores católicos. nunca tem uma plantinha destacando atributos do corpo branco europeu, um palmitinho, nada. não é coincidência, nunca foi. ai que ódio, né.
amei como giselle compõe a partir dessas descobertas uma subversão da linguagem e da estética dominantes para criar se próprio jardim decolonial, que ela chama de jardim da resiliência, e sua pós-natureza. questiona desde a suposta neutralidade da ciência até o modo de operação da ‘inteligência’ artificial.
impressiona a capacidade que as palavras têm de carregar preconceitos por séculos. o poder de nomear plantas não é para todos. assim como é poder desenhá-las de forma descontextualizada do restante da natureza, em aquarelas por muito tempo nas mãos de colonizadores. tudo revela o tanto que ainda temos a desconstruir. nada é ingênuo, nunca é casual.
a botânica, como mexe com coisas bonitas e delicadas, torna complexo o exercício de enxergar as diversas violências, incluindo o processo de colonização e todos os poderes-saberes envolvidos. mas quando vi a exposição (e o excelente documentário que ela apresenta), me deu aquele estalo. lóooogico que em todas as empresas colonizadoras sempre vinha aquele botânico, aquele jovem naturalista, pra catalogar, desenhar, organizar a natureza de alguma forma para dela tomar posse e domesticá-la. e, principalmente, desapropriar a natureza dos povos originários, que dela dependem para fazer seus cultos, suas curas, suas comidas e tantas coisas.
os jardins botânicos são expressões dessa violência, quando desterritorializam as plantas e invisibilizam seus significados para compor paisagens de dominação e de controle da natureza.
(tenho raiva que nossa vitória-régia tem esse nome por causa da rainha da inglaterra. precisamos reconquistar nossos nomes originais todos de voltaaa)
e o racismo, gente. o racismo também se conecta a esse universo. as ervas chamadas de ‘daninhas’ nada mais são do que plantas sem valor comercial para os colonizadores, então ganharam nomes pejorativos e viraram alvo de combate nas monoculturas. e a própria diversidade de espécies é combatida para favorecer plantas padronizadas e não raramente estéreis. a ideia de evolução das espécies se converte em seleção ‘natural’ e deriva para ideias racistas de raças melhores ou piores, de eliminar raças ou outros absurdos dos quais só o ser humano é capaz. tá tudo interligado. e que sacanagem usar a imagem das plantas para expressar tanto preconceito.
maravilhoso como as plantas nos fazem pensar o mundo de forma diferente, ampliando a imaginação para tantos temas e para o poder das palavras. vide os livros do stefano mancuso, que trazem muito uma ideia de plantas e natureza como tecnologia, repensando a oposição de natureza e cultura. falei super dele nessa news .natureza.
como podemos notar, saí devidamente bugada do juízo dessa exposição. estou a semana inteira falando disso, lendo textos e vendo youtubes sobre o tema. é uma exposição pequenininha, mas muito original, com esse assunto ótimo. me iluminou de várias formas e estou insuportável analisando absolutamente tudo em busca de decolonizar e problematizar esse antropoceno uó.
fora que a ideia de um jardim decolonial que cultiva as diferenças, meu povo, é o que preciso agora mesmo na minha vida e na minha hortinha. vamos desorganizaaaar essas palavras e essas plantinhas tudo.
e esse podcast? vai ser babado
pessoal, já está disponível a versão paga de nossa .flowsmag, a módicos 15 reais mensais ou 150 reais anuais (alá, tem desconto). quem assinar o pacotinho mensal ou anual receberá as 4 edições do mês e uma extra com coisinhas & variedades (links, mais dicas de livros e seriados e outras seleções). quem preferir o modo gratuito receberá 2 edições por mês, a cada 15 dias. a próxima, portanto, segue apenas para assinantes e assim por diante.
mooooorro de vergonha de divulgar meus textos e cobrar por news - a news ótima da vanessa guedes, que indico no final dessa página, fala muito bem sobre esse sentimento. mas comecei a pensar que seria justo ter algum apoio pelo tempo e dedicação que esse cantinho exige. essa news foi crescendo crescendo me absorvendo de uma forma que eu não imaginava - e graças a vocês redescobri a paixão por escrever. nhomm. já estou fazendo mil planos, trocar as cortinas ahahaha mentira
(mas rola um grande medo, evidentemente, de ter 0,006 pessoa lendo meus posts pagos)
aquelas coincidências que o mundo traz. na semana em que vou ao museu judaico, chego à metade de um livro bem curioso e instigante, do qual estou gostando: a consulta, de katharina volckmer (li o trecho na gama revista e imediatamente fui atrás da obra completa). é um grande fluxo de consciência, verborrágico, louquíssima a mulher. é uma enxurrada de palavras e de assuntos que vão mudando.
a protagonista alemã está em uma consulta com dr. seligman, que é judeu, e o livro é um grande monólogo dela. várias questões delicadas e polêmicas emergem sobre tabus, traumas, sexualidade, relacionamentos e não apenas ligados a nazismo. o que espanta é o fluxo das palavras, que leva a temas e caminhos inesperados, que ela vai encadeando. desperta sentimentos contraditórios de uma página para a outra: em uma virada de página a gente parte do total constrangimento para a ternura e depois chega-se em um lugar irônico, com grandes momentos e frases.
(fico pensando toda vez que leio algum ‘fluxo de consciência’ que a pessoa dona do fluxo precisa ser sempre alguém com muito assunto variado, inteligente e legal. imagina um fluxo de uma pessoa chata e rasa, que insuportável)
bora
duas news-delícia que li na semana
sextou, meus amuletos lindos meus bibelots
TE AMO LUCIANA eu nem moro em sp e nem VI direito a exposição do museu judaico, mas estou igualmente obcecada. imagina se eu tivesse ido.
amo amo amo amo seus textos. já assinei a versão paga para não perder nenhum <3