.micromóveis
#29. feliz 2022! o que são micromóveis. para quê servem. por quê não tê-los. como reconhecer de longe. a beleza do aleatório. cronópios. krenak. a fama chega (com summer hunter). paola comeu o queijo.
virei telespectadora assídua de programas de reformas. a faixa etária do discovery home & health, ela chega. assisto desde ao irmãos à obra até o ame-a ou deixe-a vancouver - cujo casal de apresentadores, jillian e todd, tem uma sbt-energy fortíssima, bizarro. quando me dou conta, tô no terceiro episódio seguido com eles, debatendo os prós e contras de cada imóvel e julgando as famílias (claro).
fico sempre estupefata vendo essas casas reformadas com placas de madeira grampeada no hemisfério norte. o piso da sala deve dar a sensação daqueles palcos moles de teatro. eu não teria a menor vocação.
ao assistir ao antes de muitas das famílias desses programas, somando a antigas observações pessoais, acabei construindo essa semana a teoria dos micromóveis.
o que são micromóveis?
são aqueles móveis fuleiros, aqueles gaveteiros malditos de plástico com duas ou três gavetinhas dos quais ninguém está livre, aqueles pufes que abrem em cima, aqueles itens vendidos como muito funcionais e que não desempenham direito nenhuma das 5 tarefas a que se propõem (não dá pra sentar num pufe oco, não dá pra guardar nada no espaço oco do pufe que é muito pequeno, nada cabe nas gavetinhas, enfim, não dá pra fazer nada útil com um micromóvel).
para quê servem?
os micromóveis são desenhados para acumular entulho. porque nada, absolutamente nada de importante, nenhum documento, brinquedo ou roupa em uso, itens de viagem ou algo de fato relevante merece ser guardado dentro de um pufe oco com tampa ou no gaveteirinho de plástico que imita fibras trançadas. assuma.
por quê não tê-los?
o pior dos micromóveis é que eles exalam a aura do improviso. e eu odeio improviso, acho a morte. and they look cheap, mesmo quando novos não funcionam, você já compra com a gavetinha vindo emperrada de fábrica, desencaixando, sempre de um plástico maldito. nunca compensam um conserto. só servem pra passar ódio.
como reconhecer de longe um micromóvel?
micromóveis geralmente vêm com adesivos feios com excesso de arte que indicam funções óbvias ou ordenam o que deve ser guardado ali. ‘calcinhas’. ‘cebolas’. ‘meus lápis’. ‘weekend’. ou vêm com excesso de alavancas e mecanismos projetados para quebrar e irritar no primeiro uso.
eles vendem uma ilusão de praticidade e usam a palavra praticidade na embalagem. em grupo, você vai perceber que micromóveis normalmente não combinam entre si. eles costumam ficar amontoados na sala, na cozinha, no banheiro, no quarto ou na área de serviço. é só querer e eles se multiplicam.
a pessoa precisa de 3 ou 4 micromóveis pra compor um espaço de armazenamento e assim as casas do antes dos programas de reforma sempre parecem um acampamento. cada cativeiro nas áreas de serviço que meu deus.
a verdade
o que acho mais maravilhoso é que a família canadense com 39 integrantes e a casa baseada em micromóveis (sempre em contraste com sofás gigantes) tem a autoestima na estratosfera. colocam como requisitos no reality vários hábitos refinados inesperados.
(dublagem) ‘adoramos receber nossa família para eventos ao redor da lareira e queremos uma lareira à lenha, mesas redondas para jogos, um bar com pia, uma sala de jantar formal com claraboia, uma cozinha com 4 geladeiras (verídico, passou na semana um episódio do casal com gêmeos que ganhou 4 geladeiras) e suítes para nossos 13 filhos. esta casa de 450m2 é claustrofóbica’ (/dublagem)
minha vontade é de mandar a real: KIRIDA, você estava até hoje morando em um cativeiro improvisado guardando revistas velhas e calcinhas em 46 micromóveis comprados no walmart. vai querer fogão e ilha na cozinha pra quê, se só come fritas congeladas? come oooonnnn.
são viciantes esses programas,
a gente se envolve sabe.
cronópios & famas
se essa newsletter está em um território livre para falar sobre micromóveis sem ser julgada, devemos tudo isso a cortázar. flowsmag se inscreve neste legado (ahahahaha coitadaaa).
engraçada minha relação com o livro Histórias de Cronópios e de Famas, de Julio Cortázar. na primeira vez que li, eu devia ter uns 10 anos. estava nas coisas do meu pai e achei curioso o título (assim como eu tinha medo dos títulos do garcia marquez, tipo ninguém escreve ao coronel, tenso). terminei entendendo 20% no máximo do que havia ali, mas alcancei o raciocínio de que cronópios e famas são seres e que cada texto era um fragmento de uma ideia absolutamente aleatória.
estou relendo o livro essa semana, amando o nonsense de tudo. me pego rindo das coisas mais bobas - tava sentindo falta disso. e penso o quanto textos geniais como este podem ter influenciado no meu gosto por coisas tão aleatórias quanto banais (como micromóveis e outras teorias inúteis das quais me orgulho, como 99% das frases que começam com ‘então quer dizer que’ estão erradas).
Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio
“Quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você — eles não sabem, o terrível é que não sabem — dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrines das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.
(desse livro também amo os textos ‘instruções para subir uma escada’ e ‘instruções para chorar’)
e com um certo perfume de cronópios li recentemente o Instruções para montar mapas, cidades e quebra-cabeças, da Flavia Peret, com várias micronarrativas sobre o tempo em que ela passou em buenos aires. mistura observações sobre a cidade, os argentinos, reflexões sobre política e a ditadura de lá (e cá), em textos que são às vezes de uma linha. bem legal, bem escrito, conciso sem pretensão e uma leitura confortável para uma manhã de sábado com uma xicrona de café.
eu acredito em tudo o que ele fala
e se você está aqui, você está em uma das newsletters que vale a pena assinar em 2022. vamos brindaaaaaar (girando no rooftop)
ainda bem que ando de máscara nas ruas da bela vista para evitar os fotógrafos, depois deste post babado do the summer hunter. sigam todas essas news e sigam the summer hunter <3
eu amo um post ahahahahahahhaa
sextou no mood da paola cozinhando sincera como qualquer uma de nós
obrigada a quem chegou por aqui e aos flowsers mais experientes da geração 21, amo. que este ano seja suave e libertador para todos nós.
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Ri alto aqui!
Não tenho nada muito legal para comentar, pois exausta já nos primeiros dias de 2022, mas só queria dizer que estou feliz que você está de volta! :)