.jornalista
#35. saí no jornaaaal. uma profissão demodê que amo. achar que jornalismo acabou: um projeto. crise existencial (sempre). cinco indicações de filmes, séries e podcasts. bem-vindos, novos flowsers ;)
o fato de hoje eu trabalhar com marketing mostra o quanto na minha cabeça podem conviver os mais diferentes mundos. porque é algo totalmente oposto do que passei anos estudando na vida acadêmica (história). o que, por sua vez, nada tem a ver com a profissão que escolhi desde a infância (jornalismo). estes três universos brigam constantemente nas minhas ideias e, não por acaso, me considero uma pessoa completamente absurda.
me vejo em algumas crises existenciais, do tipo ‘quem sou eu profissionalmente?’: acadêmica, marketeira, jornalista. muitas vozes diferentes na minha humilde cabeça.
sobre jornalismo, sou o clichê ambulante da pessoa que desde muito pequena sabia a profissão que gostaria de seguir. ninguém na minha família, sabiamente, escolheu jornalismo. minhas referências quando criança (vi anos depois) eram as mais tortas possíveis: globo e veja. desde pequena leio textos que não entendo (como os do tutty vasques, jô soares e millôr no final das vejas) e guardava informações que não entendia (aos cinco eu sabia os nomes dos ministros, aos sete ou oito sacava o que era inflação, aos onze explicava pros colegas da escola como converter URV [NFT children, podem googlar]). enfim, conhecimentos tão alegóricos quanto aleatórios que um dia se uniram aqui (aponta para o coração).
cara, eu não poderia ter ido para uma faculdade melhor do que o jornalismo. onde construí meus gostos musicais (fui salva do axé e jogada direto no britpop), minha mente política, onde descobri autores geniais, me colocaram no rumo acadêmico que amo, onde conheci lugares legais, onde BIBI DIMAIS 🍸 coisas sem rótulo e sobrevivi, onde tive uma curta passagem usando saia indiana (quem nunca). onde me encontrei (novamente aponta para o coração).
respondendo a pergunta das meninas nessa entrevista mara na news pesquisa talks #26, me dei conta do porquê da minha teimosia em escolher jornalismo. comunicação pra mim era algo maior, um estilo de vida.
sei que é altamente demodê ser jormalista hoje. andar com aquela bolsona lateral, sempre esbaforido e pobre, com papeis impressos, semi-sujo, abatido e meio incompreendido. é uma profissão que não tem sequer como se adequar à atual estética da positividade tóxica. jornalista tem nem clima pra isso. muitos ainda insistem com décadas de atraso naquela representação de geração beat, de uma pessoa intensa, cool e cerebral (= chatíssima), que só guarda meia cebola e uma vodca na geladeira.
fico, enfim, assistindo ao jornalismo se tornar cada vez mais uma profissão do passado, como amanuense, luthier e calígrafo.
minha vivência na profissão é atípica. sempre fui jornalista de revista de decoração, não lidava com investigações nem pautas que iriam mudar o mundo (sou sensata, não mudam o mundo). ficava basicamente no escritório e não tinha isso de ‘a alma encantadora das ruas’. nunca quis ser repórter de cotidiano nem de política, já basta a vida com suas tragédias, sempre preferi o timing diferente (não necessariamente mais lento) de revista.
só no meu estágio tive uma experiência clichê-intensa em jornal impresso: o dia em que saí para cobrir o aumento da venda de guarda-chuvas na praça (humilhações que aos 19 anos ajudam no nosso caráter 🎻), acabei sendo enviada para outra pauta em uma zona de risco, atravessei um local onde um rio transbordou para falar com moradores ilhados, gente que tinha perdido tudo e estava desamparada na fronteira de dois municípios - no brasil, se você mora num limite, adeus, ninguém público vai te ajudar. um dia insano, eu já pensando nos agradecimentos quando o pulitzer chegasse (a pób), a estagiária se sentindo pronta numa carreira consolidada.
valeu, falou, mas decidi que preferia revista mesmo anos depois.
o jornalismo, como antecipei, é um estilo de vida. é uma visão de mundo. independente da área em que a gente vai se especializar, a gente é meio que treinado na faculdade (e sinto que não tem volta) para questionar tudo, para sermos insuportáveis e indesejados, para perceber as coisas em mil ângulos, escutar diferentes pontos de vista e encontrar onde está a estória. essa essência, pra mim, permanece e independe do rumo que eu tenha tomado na vida, independe da velocidade das coisas, das transformações do mundo, ou da modinha do algoritmo. é sobre valores. sou assim meio raiz. 🦕
além do mais, gostar de escrever, de conversar, ser curiosa, se importar são coisas muito jornalísticas, ainda que não exclusivas, claro. hoje em dia, se a pessoa tiver essas quatro características, ela trabalha em quê?
sei lá, viu. nos fazem acreditar que é possível existir uma ‘era da informação’ da qual o jornalismo não faz parte, afinal o jornalismo está desqualificado por não saber lidar com ‘escolhas muito difíceis’ e ter virado um site de caça-clique. tá osso. a ‘era da informação’ está longe de representar uma época de pessoas mais inteligentes, conscientes ou com maior senso crítico. tudo nos faz pensar/conformar que acabou.
eis então mais um item na minha lista de recusas: recusar quando dizem que o jornalismo morreu. fazer a gente acreditar nisso é um projeto. never forget. 🔮
e em um momento como esse, em que assistimos a uma nova guerra televisionada, renovo meu respeito aos bons colegas de profissão.
e gentemmmm, o que foi essa matéria no estadããããão
sábado, gaía maravilhosa (autora das news-hits tá todo mundo tentando & pauliceia) praticamente me acorda com a mensagem ‘mulher, saímos no jornaaaal’ e eu fiquei super passadah vendo que nossas newsletters irmãs aparecem juntinhas nessa matéria.
eu, que não saía há anos num jornal impresso, morri de orgulho e de emoção. e a matéria captou tudo: newsletters que trazem uma conversa e um tempo de pausa. amei, não sei como me descobriram, mas super agradeço a mó galera que chegou por aqui depois desse texto =)
duas produções da netflix me fizeram ter saudade da profissão ultimamente.
Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing tem uma presença deliciosa do jornalismo-raiz, investigativo, com um repórter experiente que dá uma aula de apuração, de como conversar com as fontes, de como reunir documentos e construir uma matéria. fico toda arrepiada, oh. e cara, sem spoiler, mas todos os acidentes com os boeings são fruto do capitalismo. desde o filme ‘Dark Waters’, com o Mark Ruffalo (amazon prime), sobre o escândalo do teflon, eu não via uma produção tão agressiva com uma marca, amei. tem que derrubar mesmo (não os aviões, claro, mas o capitalismo).
já a minissérie Inventando Anna me acendeu o sentimento de revolta pela forma como retratam a jornalista que investiga Anna Delvey, uma golpista que enganou ricos e merece nosso respeito. mas a jornalista é estereotipadíssima, com bolsas grandes, roupas feias, caras e bocas infantilizadas. especialmente nos primeiros episódios, ela parece muito estar na série errada, exagerada e fora do tom. ela entrevistando a anna e apurando a matéria é uma aula de como não fazer jornalismo. a irritação quase me impediu, real, de ver a série. mas adorei e terminei em respeito e consideração a julia garner, atriz sensacional. o capítulo das férias no marrocos me deixou agoniada com todas aquelas presepadas.
uma menção honrosa a um documentário sem jornalistas e que é muito bommmm: o Golpista do Tinder, também Netflix. amo babado e investigação, e essa produção entrega tudo. é um grande exercício a gente não culpar as vítimas, especialmente a primeira moça entrevistada (uma pessoa com mais de 7 anos cuja ídola é a PRINCESA BELA dá ódio mesmo e entendo). fiquei em choque com o nível de envolvimento e o tempo que o golpista dedicava às moças. em choque, mas jamais surpresa, pois já escutei 97% dos episódios de picolé de limão meu amor.💅🏼
falando em jornalismo, não tinham uma capa pior para a vejinha do que esse bar da brita na capa, especialmente para falar sobre ‘charme’?
sp, me ajude a te ajudar.
falando em boas conversas, que estão na alma do jornalismo, ouvi dois podcasts imperdíveis essa semana, da companhia das letras:
sextou valendoooo #carnaval #sono #casinha #drinks
Amei o que você discorreu sobre jornalismo. Um documentário que me reacendeu para o ser jornalista, como modo de viver, foi o Joan Didion, no Netflix. :) E o do Tinder tem os jornalistas nórdicos que ajudam a achar o cara e colocam a denúncia no ar. <3
Eu dou tanta risada com teus textos, Luciana, vamos ser amigas pfv!!!