.gerações
#39. filosofando sobre o lolla direto da minha rede de balanço. palestrinha. ética individual e dignidade humana. pessoas nuas. virei fã da miley. experiência importa? contemplações & divagações.
momento 1, lollapalooza
inevitável pensar sobre desajustes e gerações depois de assistir ao lollapalooza no fim de semana passado. eu na minha rede, na minha casinha na não-pacata bela vista, com acesso livre ao meu banheiro, às minhas bibidinhas & meus pitisquinhos (voz de hebe), muito premium. sem depender de três modais de transporte para atravessar sp voltando pra casa bêbada a partir de interlagos.
years ago, quantas vezes atravessei o brasil, vinda de fortaleza pra são paulo pra assistir a shows? dispostíssima. lembrei das várias vezes em que passei mais de 12 horas em fila pra ver paulzinho (mccartney), das insolações que peguei, dos tênis perdidos, dos banheiros horríveis de estádios (faço apneia de 15 min até em banheiro de shopping fino, imagina num estádio onde tudo é tão úmidooo), das vezes em que paguei 30 reais numa batatinha. sou a soma dessas emboscadas.
hoje, a gente opta pelo conforto e desenvolveu o radar apurado para barulho, ressaca e aglomeração. mas claro, esse aparente talento e maturidade para curadoria de momentos mal esconde o cansaço em que minha humilde geração se encontra. os nascidos nos anos 1980 estão numa sinuca que, bicho, tá osso. ao mesmo tempo, mixed feelings, porque foi lindo ver um festival como o lollinha paz e amor de volta. mas minha geração anda triste, cansada, lotada de boletos e sem muito horizonte.
momento 2, palestrinha
tava assistindo a uma conversa puxada pela plataforma clima, intitulada sobrevivência para cansados e inconformados. ela colocava exatamente essa tensão em que vivemos, em meio a um sistema capitalista que faliu junto com as promessas de progresso e que só gera precarização, neste mundo de recursos esgotados e em guerra, repleto de ódios que afloram, pessoas ansiosas sem condição de reação (6 bilhões de croppeds seriam necessários) e pior: sem visão de alternativas possíveis.
um panorama assim do inferno. a partir de onde estou, na geração que conheceu um mundo melhor e viu tudo se perder, o lugar é trágico. a gente tenta não pensar demais, mas às vezes dá uma sensação de impotência e angústia.
momento 3, podcast
também esses dias escutei um podcast muito bom, em que a psicanalista vera iaconelli fala sobre o contexto de desesperança e apocalipse tão presentes neste momento entre essas gerações tipo z e millenials. a desesperança e a falta de sentido em várias esferas da vida.
um dos pontos muito legais que vera comenta - e eu modestamente coloquei de forma breve na flowsmag passada, quando comentei que a crise é estética e também de imaginação - é a falta de simbolização que existe, que é a nossa competência para elaborar vida.
vera fala em encolhimento da nossa simbolização na arte, na literatura, no cinema, na música, para dar conta da perda crescente da capacidade de nomear e de dar sentido às experiências. é bem visível isso. as pessoas não encontram palavras para nomear o que vivem e acabam respondendo com violência e atos impensados. inúmeros exemplos poderíamos citar aqui sobre isso, não é mesmo.
encontrar uma forma humana de lidar com sofrimentos (algo com que toda geração teve que lidar, não é um desprivilégio nosso) é o desafio do momento. vale a pena escutar. o final é impecável: a ética começa no individual, cada um de nós tem que decidir em que lado está na conversa. é no dia a dia que a gente mantém ou não a dignidade humana. amo vera.
momento 4, adolescentização
ao mesmo tempo vi a matéria sobre a adolescentização de tudo, que a tpm trouxe. a sensação de tô velha demais pra tudo isso felizmente é partilhada por mais pessoas como eu, que também não encontram nada conhecido nas playlists de melhores do spotify e nas araras das lojas.
de vez em quando tenho a sensação (que talvez esteja vindo cedo demais), de ser expulsa do mundo, de não ter mais lugar.
claro, vale sempre um contexto de que a adolescência é uma invenção cultural e capitalista, que opera desde os anos 1960. basta lembrar que até aquela década, o padrão de beleza e sensualidade feminina era ligado a figuras femininas mais vamp, mulheres tidas como mais maduras. já o pós-guerra consagra como novo cânone estético as pin-ups e modelos cada vez mais jovens, cujo ícone é a twiggy.
por certo tempo revezamos alguns outros padrões e hoje a infantilização acaba imperando - não só no corpo e na cultura, mas incluindo e modelando de forma inédita os comportamentos (visíveis em ícones, avatares, em mecânicas de recompensa nos apps, gamificações diversas e mesmo nas emoções mais extremas que são impulsionadas). o capitalismo alimenta e valoriza patologicamente as nossas crianças interiores.
momento 5, volta pro lolla
e aí a questão da falta de simbolização ou imaginação que a vera comentou me arremessa de volta à minha rede balançando enquanto assisto ao lollapalooza e entra mais um DJ que não conheço mas que comove multidões com muitos lasers.
tudo parecia tão repetitivo e pouco imaginativo. não vou nomear artistas nem estilos musicais pra não ofender o gosto de ninguém - quem sou eu para julgar -, mas algumas atrações eram tão desafinadas, tão pré-gravadas, sem presença nem esforço criativo que meu deus.
hits do tiktok que parecem música de academia (tenho poucas regras na vida, mas uma delas é jamais escutar música de academia em trajes civis, fora do ambiente de academia. escuto apenas obrigada, caso um fone seja impossível). dancinhas e figurinos que, gente, pra quem já viu madonna-britney-beyoncé, parecem apresentações escolares.
a pessoa criada no tiktok vai pra um palco e acha automaticamente que vai dar conta, porque estão nos condicionando a pensar assim. mas a inexperiência fica evidente, ainda que seja bonitinho sentir a empolgação de alguns artistas que pareciam estar ali pela primeira vez. mas sei lá, a qualidade da coisa era toda muito prejudicada. e o povo do lolla, que bom, tava feliz com tudo.
provavelmente virei uma pessoa antiquada, nas estatísticas de quem envelheceu na pandemia, atrasadíssima na busca do baixo-bateria-guitarra e que fala mal de metaverso.
mas fiquei refletindo sobre o valor (se ele existe ainda) de ter experiência.
ela ainda importa?
momento 6, pessoas nuas
ao mesmo tempo, acho que há esperança. fui pela primeira vez assistir a um espetáculo, depois de mais de dois anos. era o musical encantado, no sesc pinheiros, que termina de forma super catártica e adorei. e qual não foi minha surpresa quando vejo na plateia uma criancinha de uns dois anos de idade. o pessoal da dança todo pelado e moderno, a criança absolutamente prestando atenção e sendo natural. eles ficam um tempão desenrolando uns tecidos e a criança educadíssima, nem um chorinho.
achei a coisa mais bonita e pensei que, quem sabe, algumas pessoas podem estar surgindo agora para salvar o futuro.
momento 7, eu perturbadíssima
tenho cada vez mais certeza de que minha pobre geração se esforça em dobro pra conseguir metade das coisas que um tiktoker consegue fácil. todo dia tenho a sensação de que perco 15 mil reais em ideias e NFTs, porque sou tímida, autocrítica e tenho a mente idosa.
coisas que antes a pessoa demorava 5 anos pra aprender, hoje se aprendem em 5 dias. se antes demorava um mês pra compor uma música, hoje se faz em uma tarde com teclas. os beatles acusados de ‘pop’ levaram umas 30 horas ensaiando 8 músicas pra um show, tempo maior que muitas carreiras de gente jovem consagrada atualmente. pessoas de 22 anos que se acham pequenos CEOs e que são aplaudidos por suas longas jornadas existenciais em TEDs around the world.
nem tô aqui abordando gosto ou qualidade (juro), mas meu ponto é: qual a relevância da experiência e da originalidade hoje? será que minha geração está sequelada demais, problematiza demais e está traumatizada demais para ser relevante e nosso tempo já passou? a preocupação é tanta, que a gente paralisou e perdeu o bonde? não ter experiência é o lance, é o novo diferencial?
eu perturbadíssima do juízo filosofando louca nesse lolla ahahahaha #lollalivre #lullapalooza
mas assim, preciso falar que a maturidade fez muitíssimo bem para miley cyrus. ela entregou TUDO em um show sensacional, com muita presença dela e do público, bolsinha de tia, figurino perfeito e toda a química com anitta.
esse dia chegou, eu fã da miley e a wrecking ball me representando.
falando em divas, essa thread de milhões
nossa, e também vi esse por do sol. foi assim lindo. amo como tudo se transforma em cada minutinho.
coisas que a gente aprende a contemplar com o passar dos anos.
mais contemplação (acho que é a novela pantanal que está me deixando assim)
sextou linda, estou prontah
e se quiserem me mandar um pix carinhoso para apoiar essa pequena produtora de conteúdo orgânico, o luciana.andrade@gmail.com é o lance.
& vocês podem ler a flowsmag e várias news legais pelo Substack app, que reúne todas em um só lugar e é bem gostosinho - recomendo.
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Só não sei em que mundo eu estava que não acompanhava .flows
Oi Luciana, tudo bem? Sou a Founder da newsletter Eat Your Nuts e estou passando para dizer que ADORO sua newsletter e textos... e indiquei ela na minha edição de final de semana ! Aqui o link caso queira ver <3 Beijoca https://preview.mailerlite.com/h6c3m0m5e6