.exagero
#41. vivemos nessa era. a cultura do tudo. clima estranho. bons tempos em que exagero era listra com oncinha. vejam a abertura de pachinko. recebi uma carta linda. esperando godot, porque é o jeito.
cara, a gente tá muito na era do exagero. essa semana escutei um podcast que sempre acompanho, o caoscast, que traz uma conversa sobre esse tema. a ótica é mais sobre moda, internet e estética em geral. desde o kitsch que está em toda parte até os eventos de celebridades em grandes proporções, o exagero da ostentação e outras nuances. eles trazem um conceito ótimo, o capital surreal, para falar da capacidade de determinados influenciadores de reverberarem mensagens e produtos em dimensões jamais vistas. tô explicando rapidinho, mas escutem lá, vale a pena.
nessa linha, tem uma matéria da wired sobre the age of everything culture ou a era da cultura do tudo na minha tradução ruim. significa que ‘tudo pode vir a ser uma coisa’ em uma velocidade absurda: e isso é bem surreal. claro que o exemplo maior e mais imediato é o tiktok, que rapidamente agrega 3 bilhões de pessoas dançando ao redor de uma fogueira. mas esse fenômeno do exagero das proporções do mundo não é de hoje. os memes e a noção de viralização (uma palavra tão sintomática) são prova viva de que qualquer coisa pode virar acontecimento.
tudo ganha um significado e uma dimensão exageradamente gigantes. tirar a maquiagem virou autocuidado, viajar virou autodescoberta, comer um arroz virou experiência. tudo vira salvação, algo imediatamente global e super legitimado e impulsionado por legiões de pessoas fanáticas.
tudo, a coisa mais titica, vem cercado de uma alta expectativa. não é preciso ir longe para perceber que uma cultura baseada em altas expectativas nos leva a um tombo maior. exaustivo esse lance de intensidade, não tenho energia ahahaha
daí acho que a gente vem perdendo os parâmetros do vazio, os limites. não estou julgando ‘o que é alta cultura’, inclusive porque é cafona e elitista essa discussão. mas esse maximalismo do mundo é um fenômeno interessante. faz um tempo que venho sentindo uma presença muito maior, essa voz mais intensa do exagero e da abundância verbal e visual. tudo parece tão extremo e over. tudo parece já nascer com 15 milhões de seguidores.
o ponto da estética é inquestionável e é o mais visível, quando a gente liga a tv, vai em uma loja de roupa ou abre qualquer feed.
mas tem outras coisas que também gritam.
é fácil a gente encontrar demonstrações do exagero em sentimentos, nos extremismos e fanatismos. ou a coisa é ‘de milhões’ ou é ‘de centavos’. mas até mesmo a indiferença assume proporções exageradas. é quase contraditório. existe uma coisa bem descompensada nisso tudo. há aquele extremo de se engajar horrores com um bbb flopado, enquanto a mesma proporção de indignação não adere a temas como pastores mandando um ‘me ajude a te ajudar’ em reuniões do mec ou o povo sem comida e gás usando lenha (dia desses, aqui na augusta, em pleno centro de sp, vi gente cozinhando com fogareiro em casa). sei lá, tudo é desequilibrado e o peso raramente recai onde deveria.
o exagero do banal, ele berra, enquanto os exageros importantes não conseguem se impor. deve ser um dos legados das fakenews, a coisa de desviar foco e arrastar um rebanho #pantanal.
mais profundamente, isso parece ter afetado as sensibilidades e toda uma cultura. é espetacular ver temas relevantes sumindo diante de grandes ondas frenéticas e coloridas de pautas diárias e absurdos que nos esmagam diariamente. o exagero que distorce.
a sensação de estar esmagado pelo peso do mundo e das coisas é tão permanente. o exagero cansa e nos consome. o exagero nos desestimula de várias formas e sinto que a gente não consegue mais metabolizar as coisas na intensidade com que são colocadas.
o que tudo isso simboliza? o que tudo isso diz sobre o nosso tempo? temos uma saída?
saudades do tempo em que exagero era misturar listra, flor e oncinha.
claro, tem exageros que a gente ama.
a abertura da série pachinko (recomendo assim demais, demais, tanto o livro perfeito como a adaptação excelente da apple tv) é super cool com um elenco 100% belo. duvido você conseguir ver só uma vez. shalalalalalala.
mais um exagero de beleza: pisa mais
competição acirrada de medo e cafonice, esse mix da elite
um exagero de lindeza o instagram da paula maria.
o te escrevo cartas é pura inspiração. amo papeis, amo escrita, amo letras #narcisa e imaginem que ela me mandou um postal com arte dela e um livro. se tem algo mais bonito, desconheço. paulaaaa, brigada!
vale até o questionamento, se ainda há lugar para alguns vazios de vez em quando nessa nossa era do exagero. fiquei pensando no que há de genial na peça esperando godot, a que assisti essa semana no teatro do sesc pompeia.
a história é a mais simples e comum possível: uma fábula de dois mendigos que aguardam infinitamente a chegada de godot (li uma resenha aproximando godot, god etc). ninguém sabe quem ou o que é godot, mas o absurdo da coisa toda e o tema da espera(nça)/busca são o que movem a montagem de mais de 3h de duração. tem a angústia, a dúvida, o nonsense e também detalhes de brasil distópico e até a coreografia de envolver da anitta, porque zé celso é essa pessoa.
gente, estamos na edição 41 da flowsmag, que loucura
sextou vamos galera mulheres bora feriadommmmmmmm
isso da "era do exagero" e de que tudo tem ganhado "um significado e uma dimensão exageradamente gigantes" explica uma coisa que tem me incomodado há muito tempo: eu perdi um pouco da noção (ou sensibilidade) do que seria uma notícia digna de repercussão num jornal nacional, por exemplo, e do que não.
direto me pego surpresa por ver uma notícia que eu vi no twitter passando no jornal televisivo; e, dia desses, quando vi matéria na folha sobre a treta do bacio di latte, fiquei me perguntando se os jornais também perderam esse senso
adorei o tema e a indicação de Pachinko. A Malala fez a mesma recomendação na sua última newsletter. :D