.eat the rich
#74. vocês votaram e eis o tema da news. catarses. safe space. 10 filmes e séries do gênero. white people's problems. energia da revanche move uma usina. 3 vídeos. 3 newsletters
além de adorar o gênero filmes-que-se-passam-em-espaços-confinados (especialmente o subgênero jantares-tensos, aceito sempre recomendações), descobri recentemente que também aprecio o gênero eat the rich. o boom desse entretenimento, que pode ser resumido como catarse-e-prazer-vendo-ricos-se-ferrando, tem entregue produções interessantes.
nem todas serão um primor como o discreto charme da burguesia de buñuel (preciso rever), mas a exploração de white people’s problems (mudei de um castelo inglês para uma mansão na califórnia), a ironia sobre o que ricos comem, como se divertem e as vidas hipócritas que muitos levam - tudo sinaliza um novo apetite pelo eat the rich.
e o entretenimento da vida real também traz um pouco desse apelo. por exemplo, o caso da estudante de medicina da usp que sumiu com quase um milhão de reais (nada que prejudique a formatura da turma, garantida pela empresa ora ora), mas rola um prazer do desmascaramento.
ou mesmo o podcast o ateliê, que documenta uma seita que conquistava especialmente jovens ricos para sofrerem literalmente em nome da promessa da carreira nas artes plásticas. jamais passaria pano para abuso ou violência, mas entre nós: há um minideleite ouvindo o menino rico descrevendo a tensão ao preparar uma porção de ovos pochê para seu mestre cruel no ateliê.
mais do que um prazer genérico, é um sentimento de revanche ou mesmo de vingança. uma energia que move uma itaipu, e o brasil não me deixa mentir. aqui em flowsmag estamos num safe space, podemos falar que a gente gosta mesmo é de ver todos com no mínimo uma tornozeleira eletrônica. no eat the rich, espera-se catarse, caos, algo que desmascare o sorriso medicado, os falsos propósitos, as falsas virtudes e a extravagância vazia.
mais um dia comum na vida das kardashians ou desse povo com hábitos caríssimos, bens inalcançáveis como castelo de verão / castelo de primavera, três geladeiras na cozinha, coisas que custam muito tratadas como banais e aquela revoltante distanciazinha irritante da realidade, falando baixinho.
não por acaso, nos últimos anos os vilões de filmes
são empresários bilionários (tipo aquela figura bizarra inspirada no steve jobs, do filme “não olhe para cima”).
são várias as produções recentes em que ricos se lascam de alguma forma. das que assisti, citaria dez:
the white lotus
the crown
parasita
bacurau
o menu
glass onion: a knives out mystery
we crashed
succession
que horas ela volta
nove desconhecidos
(bbb será que entra)
além do sentimento, acho que meu fascínio pessoal, por exemplo, com a monarquia britânica (consumo do período vitoriano até a fase diana), tem a ver com a expectativa de babados e desgraças graças à ruptura da aparência e do lifestyle de gente disfuncional. queremos plot twist e jogo virando não é mesmo.
uma curiosidade saborosa é que a expressão eat the rich viria um slogan revolucionário atribuído a jean jacques rousseau. visualiza paris na revolução: caos, povo revoltado com a pobreza e a fome, guilhotinando geral e queimando tudo. aleleblê. tudo com preços especulativos e baixíssima qualidade. rousseau teria dito: “quando o povo não tiver mais nada pra comer, eles comerão os ricos”. não duvido que a galera, já injuriada com o “que comam brioches”, poderia ir às vias de fato.
corta para nossos anos loucos. tenho lido que há uma onda anticapitalista se levantando por aí e torço pra que aconteça, me chama, ainda que eu seja cética em relação ao poder revolucionário das trends do tiktok (há uma hashtag #eattherich em alta, carregando um ressentimento com a elite e compartilhando até memes com marx).
mããss se a gen z adquirir pelo menos 0,5g de consciência de classe e começar a questionar o sistema e o discurso por trás da meritocracia, aprendendo o mínimo com o caso das americanas, já tá melhor que a minha geração, lotada de fãs de gurus bilionários que usam blusa de uma cor só. ZzzZZzz
a indústria do entretenimento finalmente descobriu: cansamos de prédios explodindo, avengers engraçadinhos e pessoas felizes em ny. o desejo secreto é de ver ricos caindo do pedestal, como humanos comuns, responsabilizados ou pagando por
comportamentos miseráveis,
brutalidade mal disfarçada de condescendência,
discursos horrorosos que propagam na sociedade,
toda mesquinhez de que são capazes quando sentem os privilégios ameaçados.
nós gatos, que já nascemos pobres porém já nascemos livres, que vemos a impunidade com gente poderosa (ou que se acha) o tempo todo, temos 2h de alegria e escapismo num filme ou série assistindo aos cristais serem quebrados, às verdades vindo à tona, aos ricos experimentando seu próprio veneno. ainda que eles vençam, a gente se contenta com a revelação de que eles são as piores pessoas, com o pior caráter, as piores intenções e as piores soluções para se manterem onde estão.
asmr de proletário é ver a roleta do karma parando finalmente no lugar certo e devolvendo o pior a quem ele pertence. raspas e restos me interessam.
3 newsletters que adorei
3 vídeos que adorei
vídeos do ora thiago, amo o formato e as reflexões:
sou fã da boscov e ela comenta cada episódio de the last of us às segundas-feiras:
sextou suave
mais uma diquinha de produção eat the rich maravilhosa: triangle of sadness! assisti recentemente e fui das gargalhadas ao aplauso, deleite total.
news impecável como sempre <3
Tem um deleite muito gostoso nessas ficções mas ainda incipientes pro que a gente realmente precisa fazer (tomar os meios de produção). E fã de bilionário me dá uma coceira sabe?