.casa do sol
#22. hilda hilst recebe. champanhota. planos para envelhecer. a pediatra de andrea del fuego. pesquisa dataflows. cachorros pulam corda. performance do bem-estar. bethânia e hebe abraçam árvore.
imagino a delícia que era a casa do sol da hilda hilst, no parque xangrilá em campinas. mudou-se para lá para se isolar do convívio urbano (mas não para se isolar dos amigues, o que acho um detalhe fundamental). queria estar com ela mesma, com os queridos dela e apenas escrever, longe da vida social da cidade. quem nunca. e isso ela fez aos 36 anos. na casa do sol viveu até sua morte, em 2004. tempos depois, o espaço virou sede do Instituto Hilda Hilst.
o terreno era de sua mãe, e o primeiro móvel da casa do sol teria sido uma mesa de pedra colocada ao lado da imensa figueira. isso diz muito sobre hilda, que mobiliou primeiro o espaço da árvore para depois ver como seria a casa, construída ali por 1965. na hora em que li isso, fui obviamente procurar o que ela tinha em aquário, porque é muito aquariano colocar uma mesa ao lado da árvore como primeira mobília, pensar ‘tá ótimo’ e depois ver como fica o resto. bingo: hilda é taurina com ascendente em capricórnio e lua em… aquário.
com essa conjunção perfeita de estrelas (temos dois signos em comum), certeza que viraria uma das minhas melhores amigas. sou luciana com sol em hilda e lua em clarice.
imagino lygia (fagundes telles), caio (fernando abreu) e a super patota da hilda curtindo altas champanhotas e bibidinhas ali no mato, no alpendre ou ao redor da lareira, em meio a jornalistas, críticos, artistas, físicos, matemáticos e a galera eclética que frequentava lá. visualizo nessa salinha a fofoca rolando solta. alguém escreve um poema, um conto. amo. imagino tudo muito espontâneo.
quando eu for velha, não haverá dúvidas: só irei chamar ‘champanhota’ e ‘cervejota’, coberta de dourado e sempre agressiva apesar da ioga com meu carrinho motorizado.
uma espécie de hebe com copacabana energy e a cozinha da rita lobo.
acho que irei por esse caminho.
inevitável ver as fotos de hilda e amigues e sentir a vibe boa da casa do sol (nota mental: colocar nome na residência é luxo puro, super gnt, amo o conceito casa flows) e projetar alguns desejos para a velhice.
outro plano, por exemplo, é usar apenas roupas soltas e de preferência combinando com minhas amigas também idosas & risonhas - nos chamaremos de hebe, lolita e nair, todas gente boníssima e claramente medicadas -, compondo sempre uma paleta de cores nos nossos encontros enquanto julgamos os hemogramas umas das outras. viva o sus.
se possível terei em casa um pequeno acúmulo de livros, plantas, quadros, tigelas (amo, me deixa) e vinhos, cercada de pets (hilda tinha 60 cachorros adotados) e um bom wifi pra ver filme em paz. sim, porque é pose, fachada e mentira esse povo que diz que tem coragem de ir pro mato sem internet e viver do que a terra dá. duvido. queria ter uma horta, viver de newsletter, sempre de caftan, admirando as pequenas coisas, uma manhã inteira acompanhando o percurso de uma formiga, uma participação ou outra dando minha opinião em programas do gnt, selecionar companhias. curadoria é o segredo de tudo. de tudo.
e eu aqui falando em velhice, mas lembremos que hilda largou são paulo aos 36 anos e partiu linda pra sua casa do sol largando esse perrengue pra trás. são paulo é puxadíssimo quando quer, especialmente por não ter céu nem paisagens muito disponíveis. enfim, hilda disse: chega, já deu. e foi. maravilhosa e herdeira, né.
amo a ideia de casa-comunidade, um lugar com propósito, uma coisa movimentada e bacana no mato. mas claro: sempre fiscalizando se alguém quebrou copo, não pode também mexer em tudo, comer em quarto nem entrar de sapato. e com wifi.
essa extensão de mim, casa que não foi feita para morar
mas para ser pensada, casa-caminho-morada existindo
no dentro de mim(Hilda Hilst, do livro Kadosh, conto Agda)
e é isso.
a casa do sol que habita em mim
saúda a casa do sol que habita em você.
aqui conta um pouco mais sobre a casa do sol:
delicioso também o livro a pediatra de andrea del fuego (companhia das letras, 2021).
‘mordaz’ foi a palavra que mais vi se repetindo nas críticas ao livro, que conta a história de cecília, uma pediatra que não gosta de crianças (‘frágeis, cansativas e vetores de doenças’). ela seguiu a medicina por influência do pai e não tem a menor paciência com parto natural, doulas, mães da ioga, criança vegana etc, que são realidades que se impõem no campo de trabalho dela e no bairro dela - ela vive em pinheiros.
e as observações que ela faz sobre esses storytellings são de morrer de rir, tanto pelas ironias maravilhosas como por aquele riso nervoso de ‘olha o vespeiro em que ela tá se metendo’. tipo ‘a doula estava segura, plantada na botinha de couro, eu podia sentir o sândalo com carvão vindo do cabelo defumado em aula de ioga’. mas com o sobremome del fuego não precisa temer nada.
além disso, a protagonista tem uma empregada com quem desenvolve uma relação bem cínica também. ‘… a recebi de volta com carteira assinada, ela ia dormir em casa de segunda a sexta, me dava conforto ter alguém nos fundos que eu pudesse chamar’. cecilia, ‘uma médica macia sem medo nenhum de moto’ tem essa personalidade louquíssima e se envolve com o pai de uma criança que ela ajudou a nascer.
então são vários baphos paralelos ótimos, frases que são hinos e uma escrita que super prende, em umas 160 páginas que você lê numa sentada (amo ‘numa sentada’).
mordaz.
essa semana o dataflows fez essa enquete, divulgo o resultado pois somos transparentes.
links
babado a edição do podcast daria um livro com jessé souza, que dizima algumas noções caríssimas como ‘lugar de fala’ e ‘racismo estrutural’, dizendo que inclusive esses conceitos atrapalham a luta antirracista por serem como uma estratégia do sistema para ‘mudar as coisas para que tudo continue o mesmo’. é bemmm polêmico, mas tem pontos que, ao incomodarem, fazem pensar (ainda que eu não concorde com tudo). outro bate-papo agradável do podcast foi com a miriam leitão.
muito legal o perfil @digameoquecomes, com várias histórias e curiosidades do campo da alimentação, feito pela katherina cordas (indicação da gama revista).
vídeo de cachorros pulando corda. inevitável morrer de amor por todos (mas fiquei na dúvida se o dog que roda a corda não machuca a boquinha, será que pode fazer isso).
reflexão do @carvalhando sobre a performance do bem-estar com o recado: ‘faça menos por você, mas faça com qualidade’.
amo a moda dos acervos no twitter. um dos mais legais do momento sem dúvida é o dedicado a maria da conceição tavares em suas aulas sensacionais.
e não podemos deixar de homenagear gilberto braga:
sextou com bethânia e hebe aplaudindo uma árvore
Ai, eu ouvi o podcast com o Jesse e confesso que me deu palpitações. E olha que nem sou acadêmica ou estudiosa, mas a forma como ele atacou os conceitos de lugar de fala e representatividade são bem dignas de quem não refletiu a respeito, nem refletirá, ele já tem uma posição fechada sobre isso e não está disposto a mudar, uma coisa meio colonizadora de quem sabe como a luta deveria se desenvolver e o jeito dele, homem branco, é que está certo. Falou como se até hoje não tivessem havido lutas reais do negro contra o racismo ou como se não tivesse um monte de youtubers, colunistas, pensadores etc tentando explicar o conceito de racismo estrutural o tempo todo. Agora presta atenção quem quer, né e a real é que não queremos enquanto povo confrontar nosso próprio racismo. Pra mim fechou com chave de bosta quando disse que deveríamos combater a ascensão de alguns negros em detrimento de todos. Então a resposta é que todos permaneçam oprimidos até que todos possam se alçar a algum patamar digno? Acho que o discurso dele sim é que prega que nada mude enquanto não puder mudar em definitivo e logo permaneça como está. Só vim desabafar porque ouvi a sugestão e precisava colocar minhas opiniões irrelevantes pra fora. hahahahha.
Que edição perfeita. Também quero a vida de caftans com amigas e viver de newsletter.