.caos
#71. xuxa, the white lotus, farofa da gkay, messi desvia de fios, medo e delírio em brasília, the bear, o menu, mandíbula, ilze scamparini, app de leitura, nutty bavarian.
flowsers, tenham um natal e um ano novo bem lindos! a gente se encontra em janeiro, após uma curta pausa de duas semaninhas para descansar a pele. enquanto isso, irei reenviar algumas edições passadas às sextas & para os assinantsss farei uma listinha dos melhores do ano em filmes, séries, leituras e newsletters.
queria aproveitar para agradecer de coração a quem descobriu aqui recentemente e também a todo mundo que acompanhou a flowsmag nesse louco ano de 22. fiz o impossível para manter a escrita quase toda semana e devo a vocês ter conseguido =) estou muito feliz de ter recuperado coisas básicas da vida, do corpo e da alma neste ano. agora é encontrar trabalhos & tranquilidades, ver o que o futuro me reserva e iniciar os 40 plena em 23.
bora? bora.
duas energias que amo: a energia do aleatório e a energia do caos. nelas o mundo ganha graça e interessância sem aquele sentido convencional e esperado. valorizo quando rola um elemento que escapa, desorganiza, gera estranhamento ou constrangimento. aquela sensação do daqui pra baixo ninguém sabe o que pode acontecer ou quanto pior melhor. adoro, especialmente ver e não participar do caos ahahaha. mas é bem meu tipo de entretenimento, tipo filmes que se passam numa sala de jantar e as pessoas começam a se odiar e mandar verdades rolando a ladeira da dignidade.
parece que a energia do caos anda bem presente ultimamente. o twitter, ainda que com suas questões, é uma das timelines mais caóticas - um scroll e você encontra um ator que forjou um autoespancamento, messi desviando de fios elétricos na carreata da vitória, bozo em lágrimas com michek ajoelhando, pessoas criticando a marcenaria da kitnet que coloca o micro-ondas no chão, vídeos de dogs, posts sobre ilze.
acho até que a expressão e tá tudo bem é um pouco sobre isso no contexto de mundo caótico. com ela estamos autorizados a falar praticamente qualquer coisa doida, tipo amo pão com maionese pura, e depois mandar um e tá tudo bem pra não ser julgado depois e poder normalizar nossas pequenas loucurinhas.
o nonsense parece que vem para substituir a linguagem da ironia que, por muito tempo, foi mainstream.
o nonsense é o que dá sentido, e cabe a nós simplesmente abraçá-lo, acho. a última vez que vi tanto nonsense deve ter sido nos programas infantis 80’s, xuxa saindo de um disco voador com uma boca gigante e paquitas em trajes militares comendo uvinhas no café da manhã do lado de uma tartaruga e um inseto dançando. e tava tudo bem.
até tenho saudades de um mundo mais aleatório, sem tanta obsessão pela suposta verdade. óbvio que a multiplicação das verdades, que culmina no negacionismo, se demonstrou potencialmente perigosa, capaz de causar mortes e divisões irreversíveis. não estou minimizando a importância da verdade, mas o espaço que essa preocupação ocupa e os autoenganos a que isso leva.
antes o realismo não era imposto o tempo todo, tipo o povo
cobrando coerência em filme da marvel, sabe. boooring.
não por acaso temos visto pautas como o sonho e a utopia voltarem ao centro para expandirem nosso mundo. claramente vivemos tempos chatos e limitados, onde bancos fazem memes, bilionários são ídolos e algoritmos dizem o que vale a pena ver e ser. posso apenas estar nostálgica aqui, claro.
algumas produções culturais parecem acompanhar esse espírito, trduzindo de alguma forma a vontade de retornar a tempos mais divertidamente caóticos. não apenas programas aleatórios sobre espremer cravos ou raio-x de aeroportos. mas por exemplo a série the white lotus, em particular, acho que oferece uma energia do caos e mostra como ela faz sentido hoje.
a primeira temporada foi primorosa nesse sentido, com cenas mais nonsense e aquele gerente s e n s a c i o n a l do resort - o final dele é de um nível de absurdo que perdi tudo nele. adoro a forma como exploram os conflitos mais agudos de forma irônica, implícita. na segunda temporada, a energia do caos é um pouco menor, mas ela existe nos choques dos personagens e especialmente na tanya, nas situações em que ela se mete. ou mesmo na harper, maravilhosa, que em algum momento só quer ver o oco. o que me prende em WL é aquele estar-no-limite o tempo todo, sempre com algo prestes a rolar, meio sem controle. é quando a trama se movimenta, quando a energia caótica invade e nos coloca um espelho - a gente está mais próximo de ser como todos eles do que a gente imagina.
só nos falta o resort em taormina.
pra mim inclusive foi inevitável associar, porque foram muito próximos no tempo, white lotus e farofa da gkay. esse evento é o puro sintoma do que o entretenimento está se tornando. reunir pessoas problemáticas aleatórias repletas de procedimentos estéticos e com pouca roupa em uma localidade paradisíaca tocando fogo no circo sem absolutamente nada a perder, na velocidade do tiktok.
é bem aquele clima do medo e delírio em brasília. diz muito sobre o nosso tempo - só seria possível produzir e ouvir esse podcast louquíssimo depois de ter passado por 4 anos de bolsonarismo e ter desenvolvido (mal) a capacidade de lidar com várias vozes e imagens caóticas ao mesmo tempo.
a série the bear também traz essa energy - os primeiros episódios deixam a gente atordoado com tanta gente falando e tanta panela batendo, confusão, que achamos que não vai dar pra ver. depois as coisas vão se organizando de alguma forma, a partir daquela confusão toda, e entendemos que na verdade o caos é apenas a expressão do estado interior daquelas pessoas. também no tema gourmet, mas com uma imensa energia caótica, tem o imperdível filme o menu, que pertence ao gênero que mais amo: tensões humanas em pequenos ambientes.
e é um pouco nessa linha que acho o multitasking - que já teve seus momentos de celebração e hoje nem tanto - praticamente uma oficialização do caos permitido na sociedade. um caos de tasks e compromissos, aquele empilhamento de abas abertas, o inferno planilhado, a zona no planner, imediatamente transformados em produtivos. essa narrativa não durou muito, ainda bem, porque o próprio caos se impõe e torna tudo impossível. pra mim, fica a sensação de que experimentamos vários tipos de caos - produtivos ou não - e como isso é revelador sobre a subjetividade que partilhamos.
que em 2023 (a soma dá 7, que deve ter a ver com perfeição, será) a gente possa viver nossos pequenos caos (caoses? kkk) do bem, divertidos, que tirem da cena todas as merdas e pessoas erradas que foram normalizadas em 2022.
um caos do bem que traga imaginação e renovação para nós.
mandíbula
o vigésimo e mais recente livro que li esse ano foi mandíbula, da equatoriana mónica ojeda. ela tem uma pegada caótica na escrita, que adoro. li um outro dela muito bom e bem bruxonas com toques-de-horror-e-menstruações-sincronizadas-úteros-viscerais, ainda não traduzido, las voladoras.
em mandíbula, ela conta a história de uma aluna sequestrada por sua professora de literatura e descortina-se uma série de comportamentos perturbadores de todos os lados, especialmente na relação da professora com a mãe e entre a aluna e suas amigas. o corpo, todas as vezes que surge, é sempre visto de forma caótica, criando uma tensão na leitura super interessante. o corpo sem dúvida é um dos espaços onde o caos é sempre iminente - por isso, é super vigiado e punido sempre que possível.
enfim, adorei o livro e a proposta que traz, quebrando formalidades de linguagem e de narrativa. para quem leu ou vai ler, o capítulo 21 sobre a cor branca no terror é uma pipita.
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sextou com desejos de paz, saúde e apenas o caos do bem para 2023
Mulher, deixo aqui minha contribuição mística-caótica: ano que vem a soma é 7, o arcano do carro no Tarot, movimento, seguir em frente, na velocidade que dá e com empenho, disposição para alcançar o sucesso, acho que vai dar bom! Bom fim de ano, descanso pra você!
PS:Sobre medo e delírio: não escuto, já nasci e moro em Brasília acho que tá bom de caos?...
eu AMO repetir "e tá tudo bem" toda vez que conto pras pessoas algo que eu fiz ou algo muito doido que rola dentro da minha cabeça! é sobre isso!