.antiambição
#49. positividade do menos. o padrão do mais. desistir. nossos próprios infernos. a grande renúncia. foto histórica. fila na shein. old enough. nowhere office. namaria de colete inspirando o sextar.
temos muito a aprender com a antiambição que a natureza ensina. no mundo natural, preocupações são basicamente com alimento, defesa e procriação. ninguém quer mais do que precisa. o tanto que o ser humano tornou a própria vida difícil, ave, não está escrito. a cultura complicou tudo. viver poderia ser mais fácil e mais simples. existir poderia ser menos profundo, menos trabalhoso, menos estressante, menos impactante. mas não.
todo dia a gente inventa algo novo, um curso, uma ocupação, uma discussão para se preocupar e tornar o mundo mais difícil.
frequentemente, criamos nossos próprios infernos e geramos mil problemas para administrar. será que daria pra evitar algumas dessas coisas em nome de um pouco de paz?
como em vários episódios da história, para todo movimento existe uma reação. dos hippies, passamos para os youppies e agora voltamos a coisas meio hippies. então proponho aqui um movimento da antiambição: num mundo em que todo mundo só pensa em mais, a gente ser menos. ser pouco já pode ser muito e pode ser suficiente. nem sou eu que invento essa palavra; mais abaixo trago um artigo sobre o assunto.
sei bem o quanto o capitalismo tornou natural em várias esferas da nossa vida a busca por mais. dificilmente fomos educados a ser menos e a querer menos. isso até bugaria o cérebro de bairros inteiros aqui em sp. querer ir mais longe, conseguir mais coisas, ganhar mais dinheiro, construir mais prédio, lançar mais redes sociais, viajar mais, fazer mais, tudo parece vir sempre na intenção de superação, de acúmulo, de expansão.
a gente passa por cima de qualquer contradição ou limite para simplesmente seguir o desejo-padrão do mais. e mesmo quando a gente não tem de onde tirar, inventam frases genéricas tipo fazer mais com menos porque falaram isso em algum TEDx e isso se consagrou verdade de tanto que foi repetida.
essa verdade do mais colapsou para muitos e nem preciso dar muitos exemplos, pois eles transbordam em toda parte. o mundo ambiental e mentalmente caótico em que a gente vive é reflexo. de qual mais nós falamos? qual mais realmente nos interessa? qual mais vai construir e não destruir a gente e o mundo? o dilema de quantidade versus qualidade nunca foi tão urgente. virou questão de sobrevivência.
por isso são interessantes esses movimentos da renúncia e da antiambição. as pessoas estão simplesmente entendendo que não dá pra ter tudo, que é preciso abrir mão, que é possível ser feliz sem conquistar coisas. ficou óbvio que, quanto mais a gente dá e quanto mais a gente tira do mundo, menos coisas são geradas.
é um giro de chave que eu não acreditaria ser possível ainda na minha geração: romper a noção de que a vida de todos nós estaria orientada para conquistar. são movimentos que trazem a positividade do menos. desistir, em benefício da vida e de outras possibilidades.
se pensar bem, a gente já vive num mundo com comida, terra, ciência, habitação e muitas coisas suficientes para todos - o lance é que tudo isso é extremamente mal administrado no atual projeto de sociedade. então o caso não é a busca do mais, é a busca do melhor. a era do mais precisa acabar, minha gente. não tem mais espaço emocional nem físico pra consumo.
há alguns meses, o ny times publicou um artigo chamado a era da antiambição. ele pauta mais a questão do trabalho, mas comenta sobretudo a perda de confiança e até a revolta das pessoas em relação ao atual sistema. tem muito a ver com o movimento da ‘grande renúncia’ ou ‘grande resignação’.
é um movimento de gente privilegiada ao que parece. que pode abrir mão dos ‘grandes salários’. mas é revelador do aprofundamento da atual crise de valores. demissões voluntárias em massa nos eua e outros países mostram a falência e o limite de um discurso que colocava o trabalho como fonte única de felicidade, identificação e propósito. todos os meses, 4 milhões de americanos escolhem deixar seus empregos e aqui no brasil esse movimento também cresce, ainda que numa proporção infinitamente menor.
em muitos casos, as pessoas até querem ganhar menos para fazer menos e ser mais. não seria por acaso que cada vez mais os temas de sonho, meditação, saúde mental, expansão de consciência, morar na montanha, samambaias e terapias ganham espaço, como sintomas da busca de uma saída - ou de uma entrada para algo novo, para outros mais possíveis.
detesto a frase ‘o lado bom da pandemia’ por 700 mil motivos, mas o fato é que ela transformou a visão de muitas pessoas sobre qualidade de vida e valores pessoais. nem todo mundo ganhou um super tempo livre para ler todos os livros da biblioteca ao ficar trancado em casa por dois anos, mas o fato é que a mudança de foco para a casa e para a saúde abriu uma perspectiva pra muita gente.
de repente se orgulhar de ter um crachá para balançar no pescoço enquanto anda na berrini a caminho do restaurante de comida a quilo de segunda a sexta passou a não ser mais o ápice da vida de muitas pessoas. o fim de semana de dois dias é pequeno. passar o dia adoecendo em frente ao computador é pequeno. resolver problemas que não são nossos também. enfrentar tantas minicoisas que antes eram relevantes e sofrer consequências já não se justifica tão facilmente. muita gente está se dando conta. caiu a cortina.
aí entra o novo mais, como substantivo e não um advérbio - nem como sinônimo de produtividade, essa palavra que passou a dar gatilho em uma galera.
o ser humano poderia ter mais ambição sim, mas em outra direção. talvez as palavras antiambição e renúncia nem sejam as mais adequadas pra decifrar esse momento, porque elas não ressaltam a positividade do que podemos alcançar.
hoje a ambição pode ser acionada por coisas de fato maiores - e nem todas são oferecidas pelo capitalismo. então ele que lute e se transforme (e ele faz isso muito bem) para oferecer o novo mais que a gente busca e que a gente merece. ou imploda. nem adianta fazer blusinha de ‘be less’. a gente quer mais.
meu povo, falando em loucura, fiquei muuuito feliz, surpresa e agradecida pelos primeiros assinantes que chegaram aqui na flowsmag na primeira semana dessa nova fase. eles receberam semana passada a edição que teve como tema principal uma exposição que entrou em cartaz aqui em sp, de arthur bispo do rosário, resenha de filme e outras loucurinhas.
momento lindooo na semana passada com a grande foto das escritoras lá na feira do livro. eu não fui, porque acabei não me achando escritora o bastante, mas quem sabe numa próxima =)
adorei o termo nowhere office e a reflexão que a amiga jornalista roberta de moraes trouxe nessa entrevista com julia hobsbawn, que criou esse manifesto da vida no trabalho. julia entende que, quando sai de cena o escritório físico, o trabalho fica ‘desnudo’ - aparece então o trivial, que são as pessoas, as relações e o significado do fazer diário. eis o poder revolucionário do nowhere office.
fila pra entrar em loja: até quando
essa pra shein de madri foi uma das coisas mais surreais que vi, no vídeo:
sempre torci por esse momento
ruth de ozark exala demais a madonna energy
ai gente, não me matem. sei que é perigoso, mas adorei e fiquei absorvida por alguns episódios de old enough, série da netflix que mostra crianças de uns 3 anos de idade saindo sozinhas na rua para resolver coisas. uma câmera vai acompanhando, É SUPER OK. é super antiambição. tudo o que as crianças querem é trazer a latinha que a mãe pediu pra comprar no mercado.
sextou tal como namaria de boas
sem ambições na mesinha de plástico com seu colete de tampinhas
que delícia ler sobre ser menos e, ao mesmo tempo, mais. no ano passado minha visão sobre o trabalho mudou completamente. eu era apaixonada pela ideia de ser bem sucedida e quando dei por mim, estava doente, odiando meu trabalho e, consequentemente, minha vida.
entender que trabalho pode ser só uma forma de ter dinheiro, que é algo necessário na nossa vida, me deu uma paz de espírito gigante. faço o que dou conta e é isso aí.
talvez um dia eu volte ao estado de paixão pelo o que faço, mas por agora, gosto de ter mais energia para todo o resto da minha vida.
Tô saindo da faculdade agora e me sinto meio errada em ser uma pessoa que gostaria de viver uma vida amena, ganhando e trabalhando o suficiente pra ter qualidade de vida, pq todo mundo ao meu redor parece tá muito engajado em ser "bem-sucedido"