.andar
#34. é paixão. anti-algoritmo. o que a calçada guarda. menos correria e mais caminhada. silly walk. simone de beauvouir anda 90km. beatles também andam. caminhoneiros sobrenaturais. borra de café.
andar é uma das minhas paixões. aqui em são paulo comecei a cultivar muito mais esse hábito. além das viagens (saudades), cujo ponto alto pra mim é sempre andar meio sem rumo.
esses dias tirei uns momentos para fazer passeios a pé pelo bairro mesmo, caminhar na paulista, dar uma esticada necessária. nada pretensioso nem novos percursos, apenas andar para praticar outra das minhas paixões, o people watching. adoro o encontro com as pessoas e coisas mais inesperadas e aleatórias possíveis. plantas que ainda não tinha observado, mais uma barraquinha que vende palo santo, como o povo se veste (o meião acima do joelho voltou com tudo, né), minitrechos de conversas improváveis, essas pepitas que os caminhos nos reservam.
penso na importância do caminhar em um mundo que só nos entrega mais e mais de nós mesmos. porque no fim das contas os algoritmos com os quais convivemos 39876 vezes por dia são são uma produção de nós mesmos (ou um apanhado simplificado que essa inteligência artificial fabrica com base nas médias dos nossos comportamentos). algo assim, paupérrimo.
eu, quando recebo uma informação simplificada sobre mim mesma, passo até a me odiar (alô terapia), de tanto que detesto essas versões minhas que tentam prever minhas vontades, o que eu posso gostar, o meu suposto-eu dizendo o que posso querer ler ou assistir. não quero apenas o que meu suposto-eu gostaria, queria muito que o mundo entendesse. é bem esquizofrênico e anti-narcísico. é tipo jogar uma pedra num espelho. uma puta de uma armadilha pra alimentar várias indústrias, dos medicamentos às autoajudas.
até a ajuda é ‘auto’, não é ninguém te ajudando, é tudo self. não aguento mais autocoisas. especialmente depois de meses trancada numa pandemia.
já quando a gente anda, a gente sai de nós mesmos. a alma passeia junto. (poética). somos confrontados com o poder das coisas fora de nós. pela beleza e pela feiúra do aleatório. é o tio que cospe na calçada (odeio), é a miséria que se impõe no percurso (fico profundamente entristecida), é o povo tomando suas cervejotas (amo), a fauna linda e variada de dogs (amo), os cartazes novos e velhos sobrepostos (amo), um sapato sozinho (sempre penso milhares de histórias quando vejo um pé de sapato solto no meio do nada. a pessoa correu? a pessoa fez como?).
a calçada é um universo, cara. fico chocada com o tanto de coisas misturadas que a habitam. e também com a efemeridade contida - você olha de novo e a calçada muda, outra pessoa está ocupando, caminhando, outra configuração ocorre num piscar de olhos e nos joga pra pensar sobre o tempo e como ele não anda, ele corre.
e como eu detesto a sensação de correria. eu bem queria apenas andar, passar o dia numa velocidade que me permitisse contemplar, estranhar e transitar pelos dias e pela vida. tudo nos impede de parar, contemplar e pensar, nesse projeto de mundo que vivemos. meu feed é um suposto recorte de mim mesma. eu sendo devolvida a mim mesma incessantemente. já andar me recupera a sanidade, me traz ar, me traz mundo. é tão simples.
mas cada vez mais a correria nos impede de andar.
aguardando a escola de dança algoRITMOS, com passinhos muito personalizados.
falando em andar, simplesmente venero esse momento eterno do monty python, a silly walk.
simone flanando
e aí eu tava lendo a biografia da simone de beauvoir, prosseguindo no meu interesse pela época das guerras e como os pensadores viveram esse tempo. ainda estou no começo, ali pela página 60 e pouco. mas descubro algo que ainda não sabia sobre simone: o quanto ela amava andar.
simone levava o lance das caminhadas a outro nível. andava normalmente sozinha, nos anos 1930, quando não era comum (nem hoje é) as mulheres viajarem e estarem sozinhas nos lugares. óbvio, a gente sabe de todo o privilégio branco, europeu e de classe da simone (inclusive o feminismo dela permite camadas e camadas de questionamentos devido a esses lugares que ela ocupava).
posto isso, lá pelas tantas, diz a história que ela caminhou sozinha, enquanto sartre estava na noruega, indo da região do haute-loire até ardèche. mano, isso são mais de 90 km no sertão francês no sol quente kkk. noventa quilômetros a simone andou, por três semanas. admirei e senti uma mini-inveja. imagina: estar sozinha pensando na vida e andando três semanas, vendo paisagens, sem celular. isso imediatamente virou meu novo sonho. ela caminhava sem muito apetrecho, costumava usar um vestido velho, alpargatas, levava ‘algumas bananas e pãezinhos’. ela comenta:
“Não pensei em nada: fui, observei. Eu carregava todos os meus pertences nas costas, não sabia onde dormiria à noite. Muitas vezes eu relutava em me separar do céu, da grama, das árvores, queria pelo menos reter seu cheiro; em vez de alugar um quarto numa aldeia, percorri mais sete ou oito quilômetros e pedi abrigo num povoado: dormi num celeiro e o cheiro do feno zumbia nos meus sonhos.
(…) De cada ponto de vista (…), esperava uma revelação e sempre a beleza da paisagem superou as minhas memórias e as minhas expectativas”.
a paixão de andar durou mais de vinte anos na vida de simone de beauvoir. só a idade a impediu de seguir. mas em várias vezes a caminhada a salvou de momentos de melancolia variados.
recusamos o ‘estar na correria’.
apoiamos andar. #manifesto
(evidente que não se aplica à corrida como esporte, que inclusive amo e eu voltarei a fazer meus 10k)
aleatoriedades
um paul numa foto gracinha. joguei. já estávamos há 197 dias sem citar paul mccartney nessa news e sem acidentes. beatles que o quê, têm uma capa de disco caminhando.
bola que eu já venho levantando há anos: eles já falaram sobre tudo o que existe. inventaram o andar pra frente. até eles nada existia (ahahahaha contém ironia, que nem a capa de um jornal paulista colocando que a cultura do brasil começou com a semana de 1922 - risos).
esse texto é ouro, Autoras latino-americanas conquistam espaço no mercado editorial brasileiro.
amei esse podcast chamado estrada sobrenatural, com histórias de caminhoneiros que envolvem ETs, almas, lobisomens e tudo mais que rola nas estradas do brasil. o tio que narra é um ótimo contador de causos. esse episódio do último passageiro é bem intrigante.
aqui uma imagem de uma borra do meu café que também intriga, parece a palma de uma mão. meus cafés sempre geram borras sugestivas, sempre que olho no relógio os horários estão repetidos tipo 15:15, o número 7 🔮 está em toda parte na minha vida, sinto energias de lugares mas não estou pronta at all para desenvolver nenhum tipo de dom que me impeça de dormir a noite. não vou dar recado pra seu ninguém.
falando em sobrenatural, a série da netflix arquivo 81 me prendeu a atenção. um rapaz é contratado para recuperar antigas fitas de vídeo e vai deparando com uma trama louquíssima em um edifício.
a faixa etária do meu radar de novidades, precisava dividir esse print com vocês 🙄
esse pensamento do maurício arruda, sempre repeti muito na vida. coisas de brechó ou móveis antigos não têm energia ruim, que seja pior do que a vibe de alimento com veneno, roupa fabricada por crianças escravas ou objetos que para serem produzidos ou descartados fodem com o meio ambiente. quem nos faz acreditar que peças antigas têm energia ruim é o capitalismo que vende coisas novas.
amei a história desse hospital de plantas 🌱🌱
sextou bonita e famosa pois saiu uma entrevista (alok) minha na news que super acompanho e recomendo, a pesquisa talks #26.
foi mega legal responder às perguntas, viveria disso (de responder perguntas) tranquilamente. adoreeeei e suuuuper agradeço o carinho da ♥️ Barbara e da Camila ♥️ que fazem a news. conto episódios da infância e segredos (caça-clique).
Tem um livro que acho que você pode gostar. Chama “A History of Walking”, da Rebecca Solnit. É bem interessante e traz reflexões sobre mulheres e o caminhar ;>